“Hollywood tem amnésia quando o assunto são mulheres”, diz diretor de Carol
Todd Haynes é um romântico. O diretor californiano de 55 anos dedicou-se, em sua ainda curta filmografia, a enxergar a tempestade que se passa por trás da calmaria aparente de corações apaixonados. Não exatamente o amor do tipo vamos-passear-de-mãos-dadas, nada de Meg Ryan e Tom Hanks. Seu olhar tenta desvendar um sentimento ao mesmo tempo espetacular e desconfortável, e as relações humanas que, muitas vezes, são rompidas em meio ao caos.
Seu novo filme, Carol, o traz de volta a este cenário. Mesmo que ele não tenha dado o apito inicial. "É a primeira vez que me envolve em um projeto que não inicializei", conta Haynes, direto de Londres, observando a saraivada de prêmios que seu filme já abraçava. "Sei que há anos tentavam tirar a ideia da gaveta. Quando li o roteiro de Phyllis Nagy, que transforma magistralmente em movimento as palavras do livro de Patricia Highsmith, não tive dúvidas."
Carol é um romance. Mas, talvez, não da forma como o público esteja acostumado a assistir. Na trama, Cate Blanchett é a personagem-título, mulher da classe alta da Nova York do começo dos anos 50, que mantém aos trancos um casamento com Harge (Kyle Chandler) basicamente por causa de sua filha, Sadie. Ao cruzar os olhos com uma vendedora em um grande magazine, Therese (Rooney Mara), a fagulha é mútua, e as duas mulheres embarcam em uma jornada de auto conhecimento não apenas metafórica, já que elas pegam a estrada em busca de… algo.
"O livro é um relato único e poderoso sobre o que é se apaixonar", teoriza Haynes. "Patricia Highsmith vai direto ao ponto. Amar é sempre desconfortável. Nunca é totalmente tranquilo. Mas não podemos nos isolar como seres humanos." Um dos grandes méritos do projeto, porém, é a química descomunal entre Cate e Rooney, uma tensão social e sexual que não explode, mas queima lentamente, resultando em chamas igualmente poderosas. "Cate já estava ligada ao projeto quando entrei, o que foi ótimo", lembra o diretor, que trabalhou com a atriz anteriormente em Não Estou Lá, um estudo lúdico sobre a vida e a carreira de Bob Dylan. "Mas sempre quis trabalhar com Rooney. Eu a via em filmes tão distintos, com personagens tão ecléticos, e a força estava sempre lá. Mas nunca a vi em um papel assim."
De maneira delicada e elegante, Haynes explora a relacão amorosa, física e emocional, revelando aos poucos mais e mais camadas sobre suas personagens – e sobre a própria época. "A América pós-Guerra ainda era uma sociedade tentando se reencontrar", continua Haynes. "O romance que Carol teve no passado, a aparente indecisão de Therese sobre sua própria sexualidade, eram tabus discutidos a portas fechadas, geralmente apontados como algum desequilíbrio mental, passível de tratamento." Sair dessa época de "trevas" ganha reflexo no filme. "É meu quarto projeto com (o diretor de fotografia) Ed Lachman, que é um gênio, nunca um trabalho continua o outro, sempre começamos do zero", empolga-se. "Eu queria que Nova York tivesse uma certa melancolia, um brilho apenas ocasional, poucas cores. A luz invade quartos e prédios aos poucos, de forma sutil."
Todd Haynes ressalta que este também é o momento correto para trazer Carol à luz, principalmente no tocante ao momento da luta pelo direito de gays e lésbicas. "É necessário dar espaço à diversidade", conta. "Neste caso, é um grande livro que ganha uma nova dimensão e, talvez, mais notoriedade." Quando aponto que Carol coroa um ano marcado por performances femininas fortes, ele é taxativo. "Parece que o cinema sofre de constante amnésia, executivos tem de ser lembrados constantemente que grandes filmes com grandes atrizes à frente sempre existiram", dispara. "Mais da metade do público do cinema são mulheres, mas parece que é conveniente esquecer. Um ano como 2015 serve sempre como uma ótima lembrança."
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