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O Regresso coloca DiCaprio em uma jornada de sangue, ódio e vingança

Roberto Sadovski

04/02/2016 14h11

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A colonização, principalmente a tomada da terra de povos nativos em nome da "civilização",  é uma violação, um ato de violência. O Regresso, pequena obra-prima de Alejandro G. Iñárritu, é a materialização dessa premissa, representada pela jornada de um homem colocado entre dois mundos, o velho e o novo, e como a violência da fronteira o transforma. Claro, é também o filme em que Leonardo DiCaprio é massacrado por um urso, enterrado vivo e ainda parte em busca de vingança.

Violência e vingança, afinal, parecem caminhar lado a lado. Em O Regresso o impacto ainda é mais intenso, já que o retrato da América na aurora do século 19, uma terra bela no inverno, em que a neve e o reflexo do Sol criam uma atmosfera de serenidade, é maculado pela vermelhidão do sangue que, não raro, parece brotar da terra. Iñárritu, depois do arrebatador Birdman, mostra aqui um virtuosismo semelhante que surge a serviço da narrativa, e não como papel de parede. A decisão de filmar usando luz natural e longe de estúdio contribui tanto para o naturalismo como para a imersão: estamos ali, dia e noite, acompanhando a jornada do protagonista.

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Tom Hardy encara a fronteira da civilização

Ele é Hugh Glass, figura folclórica que, conta a história (ou a lenda…), sobreviveu ao ataque de um animal enfurecido, o que custou parte de sua carne, e por semanas atravessou território hostil, sobrevivendo à natureza selvagem e aos nativos que não gostaram de ver sua terra invadida pelo homem branco, em um relato sobre o poder da força de vontade, sobre as virtudes do espírito humano. Mas nem Iñárritu, nem Leonardo DiCaprio, parecem preocupados em filosofar.

O roteiro de O Regresso (escrito a quatro mão pelo diretor e por Mark Smith, baseado em parte no livro de Michael Punke) coloca Glass como um homem da fronteira com uma missão: conduzir um grupo de caçadores em uma expedição comercial – eles buscam pele de animais para comércio – até a segurança do forte. Ele não é, entretanto, um "homem civilizado", tendo se relacionado com uma nativa e, agora, na companhia de seu filho mestiço.

Um ataque de nativos hostis força o grupo a fugir, e Glass decide que o melhor caminho não é de barco, descendo o rio (um alvo fácil para flechas inimigas), e sim uma trilha mais longa, pelo coração da floresta. A decisão é apoiada pelo líder da expedição, o capitão Andre Henry (Domhnall Gleeson), o retrato do colono cheio de boas intenções, mas rechaçada pelo ambicioso John Fitzgerald (Tom Hardy), mais interessado no dinheiro a ser perdido e em sua própria segurança.

Em meio ao conflito, surge o urso. Afastado, Glass é atacado e, praticamente morto, torna-se um fardo para ser carregado, o que coloca todo o grupo em risco. Fitzgerald compromete-se em ficar com ele até sua inevitável morte (por dinheiro, claro), decide acelerar o processo, dá cabo do filho de Glass para não ter testemunhas e o resto é história. Uma história de vingança, já que é o ódio, e não o "espírito humano", que faz o personagem de DiCaprio desafiar a morte e seguir em frente.

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O diretor Alejandro Iñárritu e Leonardo DiCaprio ao ar ilvre

Daí em diante, O Regresso é um tour de force do astro, que abraça as provações impostas por seu diretor como se estivesse em um episódio anabolizado de No Limite. Mas não é uma demonstração gratuita de sofrimento em celuloide – Iñárritu é bem melhor que isso. Seu filme é sobre a violência das boas intenções, sobre a conquista celebrada pelos "justos" e as cinzas que ela gera. Hugh Glass pode ser o último elo entre os dois mundos, a possibilidade de uma convivência pacífica, de um mundo compartilhado. Mas isso lhe cobra o preço supremo. Se a conclusão bolada por Iñárritu é até vulgar, já que se resume no embate entre dois homens, o caminho até lá é uma demonstração do melhor que o cinema moderno pode oferecer.

O que não é pouco. Tecnicamente, O Regresso é um deslumbre, com a câmera de Iñárritu, conduzida pelo diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (que venceu o Oscar por Gravidade e Birdman), conduzindo a ação por meio de tomadas impossíveis em paisagens de tanta beleza que custa a aceitar que sejam reais (e são). O filme também não economiza em brutalidade, e provavelmente não há outra maneira de contar essa história. O ataque do urso, em particular, é de tamanha intensidade e realismo – são minutos de DiCaprio literalmente à mercê da força da natureza – que é difícil acompanhar sem a vontade de olhar para o lado. Dor, ódio, sangue e vingança. São os ingredientes que o filme joga sem concessões. E o material com o qual Leonardo DiCaprio pode, finalmente, ser reconhecido por seus pares com o careca dourado. A essa altura, porém, ele já está acima disso.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.