Mogli é um colosso tecnológico que nunca esquece onde está seu coração
Faz muito tempo que assisti ao Mogli original, a animação que a Disney lançou em 1967. Décadas até. Mas o conto tecido por Rudyard Kipling, sobre o menino criado na floresta por lobos, deixou marcas. Seja em sua doçura, no clima festivo em contraponto à história do estranho numa terra estranha, na amizade tocante do garoto com um urso preocupado em celebrar a vida. O diretor Jon Favreau parece não só contente em mostrar as suas próprias marcas, como também surge determinado em dar um passo além. Sua versão para Mogli, o Menino Lobo traz os sentimentos do filme original amarrados a um ritmo mais acelerado e uma abordagem mais complexa à sua trama. Tudo embalado no que é um dos filmes mais belos da história recente.
É um prazer apreciar a maturidade de Favreau no comando de um filme. Desde Um Duende em Nova York à explosão de dois Homem de Ferro, ao respiro recente de Chef, o diretor vem se mostrado à vontade para contar uma história, e mais versado nos instrumentos à disposição para a tarefa. Claro que Mogli é um animal completamente diferente – mais complicado, tecnicamente insano, exigindo planejamento de guerra. É o primeiro filme a ser rodado em um ambiente digital imersivo como o de Avatar. Mas o triunfo de James Cameron, lançado em 2009 e ainda no topo do pódio entre as maiores bilheterias da história, colocou seus personagens humanos em um ambiente alienígena. Aqui, o único elemento "de verdade" é o ator indiano Neel Sethi, à vontade em uma selva 100 por cento digital.
Aí reside a maior vitória de Jon Favreau e seu Mogli. A tecnologia impressiona, mas ela nunca se sobressai à história. A construção digital surge como a ferramenta perfeita para dar vida a fauna e flora fotorrealistas, um ambiente em total controle do diretor. A seu favor, o Favreau ainda reuniu um elenco espantoso para dar vida aos protagonistas animais. Bill Murray (como o urso Balu) e Christopher Walken (o orangotango Rei Louie), passando pela ferocidade assassina de Idris Elba (como o tigre Shere Khan) e a serenidade e proteção de Ben Kingsley (Baguera) e Lupita Nyong'o (Raksha). Impressiona como as vozes encaixam-se perfeitamente a seus avatares animais, sem nunca perder a personalidade de cada ator – em especial Walken, que coloca seu Louie para cantar em um momento tão bizarro quanto inesperado (Murray se sai melhor quando solta a voz, diga-se).
A simplicidade da história caminha a favor de Jon Favreau que, apesar da opção por um tom mais sombrio que pode assustar as crianças mais pequenas (em especial o encontro do garoto com Kaa, a cobra que traz a voz sedutora de Scarlett Johansson), não buscou nenhum aspecto inovador em seu filme: toma menos revisionista, como Malévola; mais tradicional, como Cinderela. Não que ele não imprima sua marca. Apesar de ser uma fábula com animais falantes que ainda param para cantar, Mogli nunca deixa a plateia esquecer que é a história de um órfão perdido na selva, com todos os perigos atrelados a essa ideia. A tecnologia criou uma flora sufocante, com florestas vastas, cachoeiras límpidas e animais digitais tão perfeitos que parecem sair de um documentário – até, claro, eles começarem a falar. Neel Sethi é um achado, mas até ele deixa transparecer o gigantismo que acontecia nos bastidores, em alguns momentos pouco à vontade com seus co-astros digitais.
A trama já é familiar. Encontrado na selva ainda bebê pela pantera Baguera, Mogli é criado em uma alcatéia, encontrando sua mãe em Raksha. Um período de grande seca traz a proximidade do perigoso tigre Shere Khan que, mutilado por um homem no passado, promete matar o garoto antes que ele chega à idade adulta. É quando começa a jornada do "filhote de homem" para uma suposta segurança entre seus iguais, uma trilha que o coloca de encontro com o urso Balu, uma tribo de macacos, o confronto final com Shere Khan e a aceitação de sua herança como homem, sem nunca esquecer quem de fato é sua verdadeira família. São os elementos que construiram a marca Disney de diversão familiar, recriados com a mais avançada tecnologia para fazer filmes. O resultado faz de Mogli, o Menino Lobo a melhor adaptação live action de uma animação da Casa do Mickey.
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