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Como Johnny Depp passou de astro de cinema a coadjuvante de luxo

Roberto Sadovski

25/05/2016 18h05

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Em 2010, Johnny Depp interpretou o Chapeleiro Maluco em sua sétima parceria com o diretor Tim Burton, Alice no País das Maravilhas. O nome do ator enfeitava o topo do cartaz e sua imagem dominou a campanha de marketing, fazendo com que o personagem fosse tão protagonista quanto a própria Alice. Apesar da recepção morna da crítica, já escaldada com as dobradinhas Depp/Burton, o filme faturou 1 bilhão de dólares em todo o mundo. Mas as coisas mudam. No novo Alice Através do Espelho, que perde Burton na direção, Depp não é mais onipresente, e surge não como âncora, e sim como parte do vasto elenco, decididamente tomando uma posição de coadjuvante. Em pouco mais de uma década, seu nome no topo do cartaz não é mais certeza do tilintar das caixas registradoras.

Não que Depp dê a mínima. Desde que despontou como astro teen no fim dos anos 80 ao protagonizar a série de TV Anjos da Lei, o ator de 53 anos tomou uma decisão consciente de não mergulhar em projetos que lhe dariam projeção ou fama, e sim abraçar os que lhe pareciam realmente interessantes. Tirando seu começo, como uma das vítimas de Freddy Krueger no primeiro A Hora do Pesadelo, Depp direcionou sua carreira para tipos fora da caixinha, personagens solitários e que não se encaixavam nos padrões da sociedade.

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Edward Mãos-de-Tesoura, sua primeira parceria com Tim Burton

O público sempre respondeu bem a essas escolhas, e desde Edward Mãos-de-Tesoura, seu primeiro filme com Tim Burton, ele cultivou uma legião de admiradores mais por seu talento e sua integridade do que por sua fachada de galã. Entre um ou outro filme mais bizarro, como Homem Morto ou O Bravo (que ele também dirigiu), pintavam sucessos de maior apelo popular do quilate de Don Juan DeMarco, Donnie Brasco e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça – outra parceria com Burton.

Ainda assim, Johnny Depp nunca foi Tom Cruise ou Brad Pitt. Nunca foi o estereótipo do "astro de Hollywood". Nunca se preocupou em ancorar algum filme que pudesse ser um sucesso global. Não foi a toa que ele levou quase duas décadas para fazer seu primeiro filme assim – e totalmente por acidente. Depp foi a escolha do diretor Gore Verbinski para liderar o elenco de Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra, de 2003. E o ator chutou o balde, comparecendo a uma reunião dos executivos da Disney como um pirata podreira, o que os fez pedir para que seu visual fosse menos extremo, chegando exatamente ao ponto que ele queria. O resto é lenda. Seu Jack Sparrow tornou-se uma das criações mais icônicas do cinema, transcendendo os limites do filme. Depp foi indicado ao Oscar e, com um sucesso de 650 milhões de dólares no bolso, ganhou um cheque em branco para tocar o projeto que bem entendesse.

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Jack Sparrow, de Piratas do Caribe: liberdade, liberdade!

Não que isso fizesse diferença para ele. A liberdade adquirida com os bolsos cheios lhe permitiu tocar projetos que queria tirar da gaveta, como Em Busca da Terra do Nunca, romantização da vida do autor de Peter Pan, ou O Libertino, filme de época com John Malkovich. Mas já era tarde, e a percepção do público sobre sua figura e suas escolhas havia mudado. Depp, então, entrou no jogo. Em 2005, emendou os blockbusters A Fantástica Fábrica de Chocolate e A Noiva-Cadáver (ambos de Tim Burton), mais dois Piratas do Caribe em 2006 e 2007, o musical macabro Sweeney Todd (também de 2007) e o intenso Inimigos Públicos, de 2009, com Christian Bale e sob a direção de Michael Mann.

Depois de Alice no País das Maravilhas, porém, algo mudou. Embora um quarto Piratas do Caribe, lançado em 2011, também tenha batido a marca do bilhão de dólares nas bilheterias, o filme chegou flácido, com o público lotando os cinemas atrás de um produto conhecido, não uma aventura divertida. Do ponto de vista estritamente comercial, as escolhas do ator passaram a bater fora da curva do que os grandes estúdios esperavam, e a qualidade artística dos projetos também deixou a desejar. Diários de Um Jornalista Bêbado não saiu do lugar (mas serviu para Depp conhecer sua mulher, a atriz Amber Heard, com quem ele casou após quatorze anos de relacionamento com a mãe de seus filhos, a atriz e cantora Vanessa Paradis). Sombras da Noite (mais um com Tim Burton) foi um tiro no pé de muito estilo e zero substância. E ninguém deu a mínima para O Cavaleiro Solitário, Transcendence ou Mortdecai.

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Depp com a expressão de qualquer um que tenha visto Transcendence

Aos poucos, a aura de "astro de cinema" deixou Johnny Depp, sem que ele nunca tivesse feito força alguma para mantê-la no lugar. Como qualquer artista de talento, que sabe o quanto a fama é um ônus indesejado que vem com o território, ele segue alheio aos meandros do mercado, às marés da indústria, fazendo que sempre fez: buscando papéis que lhe são interessantes, mesmo que nem sempre o resultado em cena traduza algo bacana no papel. Aliança do Crime, que ano passado lhe garantiu suas melhores críticas em anos, não foi um filme calculado para promover uma "volta de Johnny Depp". Foi o trabalho de um artista querendo contar uma boa história.

Claro que as engrenagens precisam se mover. Alice Através do Espelho é exatamente isso, um candidato a blockbuster que serve para jogar óleo nas juntas. Depp toma seu lugar como coadjuvante com prazer, deixando Mia Wasikowska e Helena Bonhan Carter, ao lado do recém-chegado Sasha Baron Cohen, comandarem o show. Ele não vive pelo holofote, e sim apesar dele. Não que a montanha-russa dê algum sinal de que vai parar, já que ano que vem o capitão Jack Sparrow volta em Piratas do Caribe: Os Mortos Não Contam Histórias. Com ele, volta também sua "versão-astro", que deve continuar ao encabeçar em 2018 O Homem Invisível, parte do "universo compartilhado" dos monstros da Universal. Nos importa o pacote, Johnny Depp continua fazendo o que mais lhe dá prazer: encontrar as histórias e os personagens que ele ache interessantes.

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Ainda chapeleiro e ainda maluco em Alice Através do Espelho

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.