Por que Mais Forte Que o Mundo é o melhor filme nacional em muito tempo
Filmar uma cinebiografia é assunto delicado. Principalmente no Brasil, onde muitos biografados não entendem que sua vida até pode render uma obra de ficção, mas a realidade precisa ser adaptada e dramatizada em uma narrativa cinematográfica. O óbvio: filme precisa ser filme. Com seu terceiro longa, este Mais Forte Que o Mundo, o diretor Afonso Poyart acerta no equilíbrio. Ele não só leva a trajetória do lutador José Aldo ao cinema com distinção, criando uma história dinâmica e envolvente em torno de sua vida, como a executa com uma assinatura visual que eleva o padrão do gênero no Brasil.
Vou além: o que precisa ir para um novo patamar é a qualidade do cinema brasileiro em geral. Mais Forte Que o Mundo aponta o caminho, contando uma história simples de maneira inteligente, utilizando as ferramentas que o cinema disponibiliza há mais de um século. A escolha em biografar José Aldo pode parecer uma decisão corporativa – MMA, afinal, é paixão de brasileiros desde que atletas canarinho passaram a ter destaque no ringue octogonal. Apesar de filmes sobre esportes seguirem uma espécie de fórmula (se você assistiu a Rocky, Um Lutador, certamente vai encontrar uma dúzia de paralelos), Poyart narra a história como um filme de ação em que o protagonista precisa enfrentar um inimigo aparentemente invencível para triunfar: ele mesmo.
O mérito de ancorar a história recai sobre o ator José Loreto, que abraça o papel de Aldo como uma mola de músculos e dor em constante tensão. Nascido em Manaus, ele descarrega a frustração de lidar com um pai violento (Jackson Antunes) e uma mãe submissa (Claudia Ohana) treinando jiu jitsu. Tudo em sua vida é um revés, do relacionamento fragmentado com Luiza (Paloma Bernardi) ao conflito com Fernandinho (Romulo Neto), playboy que representa tudo que Aldo odeia – e que se torna o que mais se aproxima de um vilão, embora exista mais nessa relação do que sugere a superfície. O filme logo salta para a mudança do lutador para o Rio de Janeiro, onde aos poucos ele canaliza sua fúria no ringue, uma trilha que o leva a ser campeão no UFC.
Com este material em mãos, seria até fácil para Poyart montar um drama convencional, caprichar nas cenas de luta e partir para o abraço. Mas o diretor não facilita nem para si próprio, optando por concentrar seu filme no aspecto psicológico da trajetória de Aldo: afinal, o que faz um homem subir num ringue e se submeter a uma sessão de pancadaria? Seria apenas a glória e os prêmios? Ou canalizar a dor para os punhos é uma maneira de expiar outros pecados? Este caminho logo se mostra acertado, já que remove Mais Forte Que o Mundo das "regras" do gênero e abre espaço para Poyart explorar a mente de José Aldo com uma assinatura visual apurada. Tudo emoldurado por uma cozinha técnica impecável, da fotografia de Carlos André Zalasik à montagem de Lucas Gonzaga: cada pedaço ajudando a montar a narrativa, sem gordura.
O resultado é um filme visualmente distinto, que usa som e cor para pontuar cada momento da trajetória de seu protagonista, sem jamais deixar a trama confusa. É um salto considerável do primeiro trabalho de Poyart como diretor, o acelerado 2 Coelhos, que também trazia uma assinatura visual forte mas pecava pelo excesso de tramas. Mais Forte Que o Mundo é mais centrado e, justamente por isso, a habilidade do diretor em criar imagens poderosas ganha espaço sem nunca entrar em conflito com a história. A soma de texto e imagem deixa a experiência mais fácil de ser assimilada. É essa a grande lição: dialogar com seu público não é pecado. Cinema não precisa ser complicado para ser interessante, filme não tem de ser uma tese, não precisa ser um experimento, não funciona quando um diretor o utiliza como sala de terapia. Cinema triunfa quando é uma ferramenta para contar histórias. E qualquer filme que transforme Rafinha Bastos em um personagem que não seja Rafinha Bastos merece aplausos!
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