Procurando Dory prova que arriscar pouco pode ser um ótimo negócio
Circulou recentemente pelas redes sociais uma "campanha" estúpida, supostamente criada pelos "bebês dos anos 90", sugerindo em tom ameaçador aos pais de crianças pequenas para não levar seus filhos ao cinema para assistir a Procurando Dory. "Espere pelo blu-ray", dizia o texto. "Eu não quero mas vou empurrar seu filho!" É justamente esse tipo de idiota que acredita que o cinema é feito para marmanjos babões, desesperados em se agarrar a qualquer coisa que os lembre a época em que usaram fraldas (pelo visto, até bem depois da adolescência). Não se engane: o novo filme da Pixar, lindíssimo, contagiante e emocionante na medida certa, é feito para a criançada, é entretenimento infantil. E não há absolutamente nada de errado com isso.
Claro que pode ser frustrante observar que a espinha dorsal da Pixar, antes um estúdio orgulhoso em suas criações originais, ancorou-se recentemente em continuações de seus grandes sucessos. Tematicamente, Dory segue os mesmos passos (melhor, nada pelas mesmas correntes) de Procurando Nemo. É uma busca transoceânica que coloca os protagonistas (Dory, a peixe fujona, e a dupla de pai e filho Marlin e Nemo) ao lado de novos coadjuvantes divertidos em um cenário de encher os olhos. A trama não traz novidades, com a mensagem da importância da família e do convívio com as diferenças ainda mais sublinhada. Os fãs (não os extremistas como os manés que assinaram a "mensagem" que mencionei) vão se sentir confortáveis com a dose na medida de mais do mesmo. A criançada, que geralmente não está nem aí em consumir as mesmas animações ad infinitum, deve se esbaldar. Ou já está se esbaldando: no momento em que traço estas linhas, o filme de Andrew Stanton já soma inacreditáveis 423 milhões de dólares nas bilheterias em pouco menos de quinze dias em cartaz.
"Conforto", no fim, é a palavra-chave. A animação mainstream vive equilibrada em dois pólos, com a balança centrada entre a novidade e a repetição, uma fórmula que funciona criativamente e comercialmente. Mesmo quando um filme com personagens inéditos chega aos cinemas, ele vem ancorado em uma pá de símbolos reconhecíveis, de princesas a animais antropormofizados, sempre envolvidos em uma trama edificante e que, nas entrelinhas, aborda temas mais profundos. Assim, a petizada envolve-se pela cor e pelos sons e os adultos enxergam que, embaixo do barulho, há uma visão inteligente. Não é regra, claro, e tem muito lixo em meio às pérolas (Minions, os dois últimos Shrek). Mas o cinema de animação consegue, talvez até pelo tempo de gestação e pelo cuidado injetado em cada projeto, ter mais apuro com a qualidade.
Procurando Dory, obviamente, não é nenhum caça-níqueis por parte da Pixar – principalmente chegando aos cinemas longos treze anos depois de seu antecessor. Mas também não parece um trabalho criativamente estimulante para seus realizadores, pelo menos em relção à narrativa. Claro, o diretor Andrew Stanton precisava de um pouco de segurança (e de números sólidos nas bilheterias) depois de saltar do mundo animado de Procurando Nemo e do excepcional Wall-E para o fracasso de sua primeira incursão em filmes live action, a aventura John Carter.Dory lhe deu este chão. A trama se passa um ano depois de Marlin ter cruzado o oceano para encontrar Nemo. A relativa tranquilidade é virada ao avesso quando Dory, que sofre de perda de memória recente, lembra-se de seus pais e fica determinada a nadar até a Califórnia para encontrá-los. Aparentemente ela nasceu em um instituto para a preservação da vida marinha, e é para lá que sua memória fragmentada a conduz.
Stanton e sua equipe estão longe de ser amadores, e Procurando Dory tem charme de sobra para não ser uma mera cópia. Se a narrativa é familiar, tecnicamente o novo filme é espantoso. Em pouco mais de uma década, seu mundo submarino gerado em computador ganhou volume, luz, profundidade e mais riqueza de detalhes – riqueza espelhada no curta que antecede o filme, o delicado Piper, talvez o pedaço de arte mais perfeito já saído do estúdio. A Pixar sempre esteve à frente da revolução digital, mas desta vez foi além: Dory traz um trabalho de direção de arte e fotografia tão impressionante quanto imperceptível, fazendo com que a imersão seja ainda mais completa. Claro que todo o cuidado com as engrenagens seria um desperdício se os personagens, velhos e novos, não fossem tão cativantes. Talvez a mão pese um pouco na sacarina, mas quando lembramos que o filme mira basicamente nos pequenos, enfatizar a valorização das diferenças de cada indivíduo torna-se necessário.
A Disney, que não teve receio em apostar em aventuras originais nos últimos anos (Frozen, Operação Big Hero, Detona Ralph e Zootopia), nunca pregou que não estivesse no negócio das continuações. A diferença recente foi colocar estes filmes não nas prateleiras da saída dos supermercados como mais um produto, mas lhe conferir status de produção de cinema. Os estúdios concorrentes são se furtam em espremer seus produtos até o caroço, mas na casa do Mickey é evidente um maior cuidado em lidar com seus personagens. Nos próximos meses teremos mais um equilíbrio de filmes originais (Moana, Gigantic) com continuações (o óbvio Frozen 2, o recém-anunciado Detona Ralph 2). A Pixar, por sua vez, trabalha em um segundo Os Incríveis, um terceiro Carros e um quarto Toy Story – Coco, uma fábula inspirada no Dia dos Mortos mexicano, é seu único produto original na agenda. Não é falta de originalidade. Muito menos vontade de faturar fácil. É exercitar músculos criativos, ao mesmo tempo em que garante alguns bilhões nas bilheterias. As crianças (e os produtores) aprovam.
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