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CCXP 2016 prova que "cultura nerd" ainda é um negócio excelente!

Roberto Sadovski

06/12/2016 22h33

ccxp

Sempre que eu leio "cultura nerd", a espinha gela. São as tentativas de colocar tudo num gueto que incomodam: não é "pra nerd", é "pra todo mundo", oras! O grande barato da Comic Con Experience – ou CCXP – é entender justamente isso. Sim, é um evento focado em quadrinhos, games e cultura pop (aí sim). Sim, traz ídolos de um nicho muito específico (os fãs de histórias em quadrinhos). Mas em nenhum momento a festa tem os portões fechados para quem acorda com vontade de experimentar outros lados da cerca – "experience" é isso aí, não? Daí que acho estranho passear pela timeline das redes sociais e ver tanta gente reclamando que a tal "cultura nerd" está distorcida, que não é mais movida a paixão, que tudo agora é consumo, blablablá etc e tal.

Amiguinhos, acordem e cheirem o café: a BASE dessa paixão por games, filmes, HQs, séries de TV, action figures, cosplay e traquitanas mil é justamente o consumo. Não no sentido desenfreado, e sim com a possibilidade de levar um pedaço de algo que é querido para casa. Seja gastar 5 mil reais para caprichar na fantasia de seu personagem favorito (Arlequina e Deadpool foram os campeões em volume este ano), seja comprar uma camiseta, seja investir numa arte original para colocar na parede, seja torrar o preço de um carro numa estátua. "Pertencer" a um grupo maior com uma paixão em comum significa, também, se paramentar como aquilo que você curte. A CCXP 2016, mais do que em suas duas primeiras edições, abriu essa possibilidade – se o comércio entendeu que a crise ainda não bate à porta deste público (tinha de estúdio de tatuagem a barbearia), tanto melhor.

Afinal, quando a Comic-Con de San Diego, talvez a mais famosa do planeta, começou lá atrás, pouco antes do lançamento de Guerra nas Estrelas, não foi só para "compartilhar a paixão em comum". Foi também para as pessoas que ganham a vida com isso faturar seu troco com venda e troca de gibis e outros souvenirs da galáxia muito muito distante. O que eu sinto é que muitos nerds, freaks e geeks que, há alguns anos, tinham a atenção exclusiva deste mundo, agora se incomodam em ter de compartilhar com uma turma que nunca abriu um gibi na vida mas é fã roxo da Marvel – do cinema, diga-se. É um certo egoísmo e mágoa em ver que a coisa não é mais tão exclusiva assim. Chega a ser engraçado: o fã "de raiz" desse naco da cultura pop certa vez reclamou que não era atendido por produtos ligados à sua paixão; hoje, quando tudo e todos merecem uma miniatura Funko Pop, ele reclama de fãs "iniciantes", assim como o roqueiro ranzinza torce o nariz para a menina com camiseta do Ramones.

O que nos leva de volta à CCXP. Se a "cultura nerd" virou um mercadão, o evento é a feira perfeita. Com mais de 100 mil pessoas cruzando seus portões em quatro dias, teve pra todos os gostos. Gente que foi gastar com jogo de cama do Harry Potter. Gente que ficou horas na fila para ver um clipe de Guardiões da Galáxia Vol. 2. Gente que pagou uma grana para tirar uma foto e descolar o autógrafo de seu ídolo. Gente que lançou quadrinhos. Gente que consumiu quadrinhos! Gente comendo, gente fantasiada, gente se divertindo. A nova configuração do pavilhão privilegiou a circulação, minimizou os apertos e, como nem tudo é perfeito, ensanduichou os artistas de quadrinhos, enfileirados no Artist's Alley, entre o karaokê no Netflix (4 Non Blonds, nunca mais) e o palco de uma banda de rock.

Embora o consumo pareça ter entrado na CCXP de camarote, é bobagem reduzir tudo que aconteceu durante o evento a um festival capitalista, é estupidez afirmar que abraçar este mundo é não sair do jardim de infância. Se o mundo "do lado de fora" antes desdenhavade quem explicitava sua paixão por Star Wars (ou Trek), hoje este mesmo mundo quer lugar de destaque na janelinha. É um mundo que vende. É um mundo que gera lucro. Faz parte do jogo e é essencial para manter as engrenagens girando. Se a CCXP provou uma coisa, entretanto, é que ainda é um mundo totalmente movido a paixão, a uma fagulha criativa que não só inspira artistas a produzirem obras como Game of Thrones, Resident Evil, Pátria Armada, Como Ser o Pior Aluno da Escola, Logan e Turma da Mônica, como também faz com que os fãs, cada vez mais, e sem nenhum pudor, queiram levar um pedacinho de tudo isso para casa. E é por tudo isso que, na noite do domingo, milhares de fãs foram para casa com um sorriso sincero no rosto. E a carteira mais leve.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.