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Passageiros é uma história de amor no espaço feita de tédio e decisões ruins

Roberto Sadovski

05/01/2017 18h17

Passageiros é uma espécie de Titanic no espaço. Ou quase. Dá pra resumir a trama como "casal apaixonado em um navio (espaçonave?) condenado". Mas não é bem assim. Começa como um estudo sobre solidão, desespero e como a mente humana cede ante uma situação tão terrível quanto inimaginável. Depois, perde a chance de aprofundar a discussão quando um dos personagens toma uma decisão absurdamente execrável. Por fim, joga a ousadia e a complexidade pela janela ao optar pelo caminho do dramalhão romântico. A essa altura, qualquer interesse que eu tinha por Passageiros já havia seguido o caminho do dodô. O que sobrou foram dois astros do primeiro time se virando com um dilema incontornável – e resolvendo a coisa de qualquer jeito.

O que é uma pena. A primeira vez que ouvi falar do roteiro de Passageiros, escrito por Jon Spaihts, foi quando o texto entrou para a "black list", uma compilação dos melhores scripts não produzidos em Hollywood. O projeto pegou tração e atraiu Keanu Reeves, que na época dividiria a cena com Rachel McAdams (e depois Emily Blunt). Era um filme sobre um dilema moral pesado: qual direito um sujeito condenado a uma situação trágica teria de colocar outro ser humano na mesma situação? Haveria alguma justificativa? Condenados a literalmente ter de dividir o mesmo espaço para o resto de suas vidas, a cisão seria irreparável? O final, desolador, não oferecia respostas fáceis.

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Michael Sheen faz um coquetel para aturar o absurdo da trama

Hollywood sendo Hollywood, porém, Passangers sofreu alterações narrativas, cosméticas, e terminou com Chris Pratt e Jennifer Lawrence, dois dos seres humanos mais atraentes do cinema, numa ficção científica com direção de Morten Tyldum (O Jogo da Imitação). Ambos são passageiros de uma imensa espaçonave a caminho de um mundo-colônia. Como a viagem leva 120 anos, os 5 mil ocupantes – mais a tripulação – permanecem em sono criogênico até chegar ao destino. Uma chuva de asteróides, porém, atinge o veículo, e como consequência o módulo que transporta Jim Preston (Pratt) sofre uma pane. Ele acorda e, ao perceber que é impossível voltar a dormir, contempla a possibilidade de passar as próximas nove décadas como única pessoa acordada – claro, se ele não morrer antes, o que é mais provável.

Aí a coisa começa a complicar. Filmes com protagonistas solitários tentando sobreviver não são novidade – de Náufrago a Eu Sou a Lenda, eles geralmente rendem uma narrativa tensa e desesperadora. Todo o primeiro ato de Passageiros entra nessa categoria. Acordado, e sem ter como voltar a hibernar, Jim explora a espaçonave (que, em certos momentos, parece um gigantesco shopping center de luxo), descobre áreas onde não pode entrar, troca seu alojamento de terceira classe por um apartamento da primeira classe, usufrui tudo que uma arca espacial pode oferecer, inclusive um bartender robótico (o sempre bacana Michael Sheen) para que ele tenha com quem conversar e o filme não imite novelas da Globo, em que os personagens começam a discursar sozinhos feito malucos. A solidão, porém, logo pesa, e Jim entrega-se à depressão e ao desespero, deixando crescer uma "barba de quem não se importa mais" e contempla suicídio. É quando Aurora Lane (Lawrence) entra em cena.

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Chris Pratt e Jennifer Lawrence: o amor vai para o espaço

Veja bem, todo o marketing do filme deixa mais ou menos claro que ela estava em outro módulo defeituoso. Mas a história não é bem assim – e é aqui que jaz todo o problema de Passageiros. Jim encontra Aurora hibernando, busca ler tudo sobre ela nos registros da espaçonave (como as pessoas fazem hoje com as redes sociais….), descobre que ela é uma mulher incrível, que está apaixonado e decide não ficar mais sozinho. É quando ele toma a decisão mais absurda possível, danificando seu módulo e fazendo com que ela acorde e acredite que foi um defeito. Em resumo: o protagonista de uma história romântica no espaço basicamente condena uma mulher que ele nunca viu antes na vida a dividir um século com ele, sozinha, na esperança que ela, por falta de opção e pelas circunstâncias, se apaixone. Torcer pelo casal, a partir daí, é missão impossível.

É um dilema moral interessante, claro, e o filme cresceria absurdos se nele se aprofundasse. Afinal, a solidão encarada por Jim justifica ele colocar Aurora na mesma situação? Quando descobrir a verdade, e já apaixonada, como ela vai encarar o homem que lhe roubou a vida e o futuro? Passageiros resvala nessas questões, mas Tyldum não parece muito interessado em mexer neste vespeiro. Em vez disso, o filme dá uma guinada covarde quando um terceiro passageiro acorda e eles descobrem que a nave está condenada, a menos que nossos heróis façam algo para salvar os 5 mil ocupantes ainda adormecidos. O que era uma discussão sobre moral, ética, solidão e amor se torna uma corrida contra o tempo para resolver um problemão. Como pano de fundo, a trama romântica mais insípida do cinema moderno, com espaço para sacrifício e redenção, e um final, vai lá, feliz. Ou seja: um tédio.

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Andy Garcia e o cachê mais fácil de sua carreira

Nada, porém, é mais frustrante do que assistir a um filme com potencial que é jogado no lixo para atender algum comitê que não queria estragar a história de amor. Pratt e Lawrence, afinal, são simpáticos demais para que a plateia nutra qualquer sentimento negativo por eles. Quando um roteiro cai na armadilha de destruir moralmente um de seus protagonistas ("ah, mas ele estava tão sozinho" é a justificativa que resta), ou se encara o problema, ou o resolve de qualquer jeito, como um band-aid cobrindo uma fratura exposta. Passageiros escolhe a segunda opção. Por isso, o que resta é a decepção – menos para Andy Garcia, que deve ter embolsado um belo cheque sem sequer ter de abrir a boca.

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Plunct Plact Zum. No espaço.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.