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A DC renasce (de novo), a Marvel entra em guerra (de novo), e os quadrinhos de super-heróis nunca estiveram tão... chatos!

Roberto Sadovski

05/05/2017 16h16

O grande lançamento da DC Comics no Brasil agora é o "evento" batizado Renascimento. É um reboot em que personagens novos e velhos são chacoalhados por um acontecimento cósmico e ganham novas origens, ou novos propósitos, ou um reposicionamento na cronologia dos heróis da editora. Mas dá pra resumir de outra forma: é o modo em que os editores e executivos encontraram para tentar consertar o desastre que foi o último reboot, os Novos 52. Renascimento, portanto, nada mais é do que vender carne vencida em embalagem zero bala. Algumas histórias são bacanas, outras nem tanto, e a roda continua girando.

Aproveitei o último feriadão (parece um plano pra aprovarem semana se quatro dias úteis, não?) e matei o tijolão Guerra Civil II da Marvel – que logo logo ganha publicação aqui. E foi só pra passar raiva. Como as últimas sagas anabolizadas da Casa de Ideias, sua compreensão necessita de uma bula. Explico: a trama não se restringe às páginas da série, estendendo-se em quase todos os outros títulos. A impressão, portanto, é ler uma história cheia de furos, um roteiro que nunca se amarra e que parece concluir rápido demais, com as ameaças sugeridas ao longo de oito edições "resolvidas" em revistas paralelas. Foi a mesma coisa com Vingadores vs. X-Men. Ou Axis. Ou Pecado Original. Ou Guerras Secretas.

A Capitã Marvel é destaque de Guerra Civil II… por mérito ou por ter um filme a caminho?

O modus operandi das maiores editoras de quadrinhos de super-heróis nas últimas décadas (!) tem sido exatamente esse. É o conceito de "universo compartilhado" levado às últimas consequências. Quer acompanhar só as aventuras do Batman? Desculpa, mas precisa ler Liga da Justiça ou Asa Noturna ou Arlequina para entender o que está acontecendo. Gosta do gibi do Homem-Aranha? Boa sorte: pra não ficar boiando é bom separar tempo e debulhar ao mesmo tempo uma pilha de Vingadores, Capitão América e Spider-Gwen (!!). Tudo está conectado, tudo privilegia dramalhão e não personagens e ação, tudo anda muito, mas muito chato.

Vamos voltar um pouco no tempo. Antes de Crise nas Infinitas Terras, o evento que, nos anos 80, realinhou a bagunça editorial da DC, os leitores estavam abandonando o título do Flash porque a equipe criativa empurrava com a barriga uma trama sobre o julgamento do herói, acusado de assassinato. Os leitores, veja só, perderam a paciência com o novelão que tomava lugar da ação e da diversão: entretenimento ainda é a palavra-chave. Na década seguinte, a "Saga do Clone" aporrinhou leitores do Homem-Aranha por anos (!!!) em uma história de quinta categoria, espalhada por meia dúzia de títulos, que terminou exatamente como começou: Peter Parker é o Aranha, tudo está bem de novo. Hoje é a baliza para marcar o ponto mais baixo da trajetória do personagem. Ah, e as grandes sagas, como as Guerras Secretas dos anos 80, e a própria Crise nas Infinitas Terras, eram contidas às edições da minissérie. Melhor para seguir, mais impacto ao ler. As repercussões no resto da linha de publicações vinha depois, e não durante.

Crise nas Infinitas Terras, lançada para arrumar a bagunça da DC nos anos 80

A lição parece simples: as melhores histórias são enxutas, direto ao ponto, com consequências reais. O problema, claro, é mais embaixo. Antigamente (prepare-se para o papo de velho…) a única preocupação dos editores de quadrinhos era contar boas histórias, manter fãs felizes e vendas em alta. Hoje eles fazem parte de uma engrenagem, lidando com produtos transmídia. Ou seja, cinema, TV, games e quadrinhos precisam estar mais ou menos alinhados, para que o fã (e não só o leitor) reconheça o personagem que jogou em um game de celular em um filme ou um gibi. Só que, com alguns super-heróis zanzando por aí há mais de sete décadas, encontrar o ponto em comum é mais difícil. As grandes sagas (do lado da Marvel) ou os contantes reboots (no campo da DC) são uma desculpa para que o leitor neófito encontre uma espécie de ponto de partida sem precisar de conhecimento enciclopédico para se divertir com os gibis – que, até segunda ordem, são a vitrine principal e a maior fonte de ideias. Só que a estratégia não tem funcionado tão bem assim.

Claro que, quando a gente mira em títulos individuais, verdadeiras pérolas surgem no meio do pasto – X-Men, gibi nacional que reune três títulos mutantes originais, é divertido, entrega uma dose equilibrada de drama e de ação e, às vezes, parece abraçar as melhores fases da equipe, quando eles habitavam dois, três títulos no máximo e, eventualmente, esbarravam-se em grandes sagas. Mas são exceções em meio a um oceano de revistas que, muitas vezes, não vão para lugar nenhum. Esses dias eu peguei um encadernado do Capitão América, republicando o arco "Império Secreto" que abalou o título (no singular) do herói nos anos 70. Tem Vingadores, tem X-Men, tem arte incrível de Sal Buscema, mas tudo contido em uma única série, numa trama que se estendeu por alguns meses e encerrou com grande impacto. Deu saudades. O contraponto? A atual versão de "Império Secreto", o grande evento da Marvel esse ano, já está enchendo tanta linguiça que a editora publicou um esclarecimento aos leitores, dizendo que ninguém precisa se preocupar pois logo logo a coisa termina.

Guerras Secretas, história enxutinha e de grande impacto

É preciso mesmo de muita paciência e uma conta bancária considerável – façam as contas de quanto custaria para acompanhar por aqui todos os títulos, ou da DC ou da Marvel, e aproveite sua posição fetal. Enxugar é fundamental para garantir a saúde e o futuro das histórias em quadrinhos de super-heróis. Eliminar séries mensais que poderiam ser bem resolvidas em minisséries é uma alternativa. Publicar one-shots com personagens que ainda conseguem se manter à parte das engrenagens (como Justiceiro, Demolidor e Viúva Negra, só pela Marvel) é outra. Ter coerência editorial e entregar os personagens que os leitores querem ler é ainda melhor. Vai que, em meio a tanto relançamento, evento, sagas, crossover, os dois gigantes reencontram seu mojo. Eu leio quadrinhos há quase quatro décadas, e garanto que nunca teve tanta diversidade nas bancas. Esperar mais qualidade e menos enrolação é exigir demais?

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.