Nem Connery, nem Craig: Roger Moore foi o James Bond que me mostrou o que significava ser um herói
Roger Moore foi o meu James Bond. Não foi o melhor, nem o mais moderno. Mas foi com seus filmes que eu descobri quem era o espião mais famoso do mundo. Quando 007 chegava aos cinemas, eu ainda moleque, era Roger Moore quem o defendia. Com o tempo conheci Sean Connery, ainda o melhor de todos; descobri o Bond "secreto", George Lazemby; fiquei decepcionado com Timothy Dalton (com seus filmes, não com sua interpretação). Cheguei até a entrevistar diversas vezes dois Bonds, Pierce Brosnan e Daniel Craig. Mas Moore, com seu jeito de fanfarrão em aventuras de Bond inclinadas para o humor e o absurdo, sempre esteve em primeiro lugar.
Escolher o melhor Bond é tarefa, no mínimo, ingrata. Todos são um reflexo de seu tempo, todos tiveram seus altos e baixos. 007 é a série que melhor espelha o mundo em um momento específico, e a partir dos filmes é possível entender o estado das coisas na cultura pop, na indústria do entretenimento e na sociedade. Dito isso, Moore terminou sendo o Bond certo na hora certa. Sean Connery deu o start na série com filmes mergulhados na Guerra Fria, na tensão entre Estados Unidos e União Soviética, "nós" contra "eles". Os anos 70 trouxeram a Guerra do Vietnã, o mundo mergulhou numa imensa área cinza e Moore assumiu o espião quando os produtores já ensaiavam uma cisão e o público começava a questionar a moralidade do muro erguido no planeta.
Se abraçar o realismo estava fora de questão, a terceira aventura de Moore como Bond estabeleceu a fórmula de humor e fantasia, afastou de vez o "fantasma" de Connery e colocou 007 no mundo moderno como uma paródia do clima em que o mundo estava mergulhado. 007 O Espião Que Me Amava, lançado no mesmo 1977 de Guerra nas Estrelas, foi o modelo que Bond seguiu pela década seguinte, com Moore no papel do agente secreto até 1985, com 007 Na Mira dos Assassinos. Aos 58, e considerado "velho" para o papel (décadas antes de Os Mercenários, vale lembrar), o ator se afastou com a satisfação da missão cumprida. Em sua mão, James Bond atravessou uma crise e se aproximava dos anos 90 com outro tipo de herói atraindo o público, dos músculos de Arnold Schwarzenegger ao sujeito gente como a gente aperfeiçoado por Bruce Willis como o John McClane de Duro de Matar. Timothy Dalton, pego em meio à mudança de guarda, não segurou o rojão. Brosnan e Craig tiveram mais sorte e elevaram Bond a novas alturas.
Já Roger Moore seguiu uma carreira que jamais decolaria novamente. Ao contrário de Sean Connery, que ganhou um Oscar em 1987 (por Os Intocáveis) e se aposentou ainda como astro hollywoodiano, Moore não teve uma segunda chance como "ator sério" e nem teve o cinemão a seus pés. Mas foi uma escolha. Seus filmes como James Bond já anunciavam um performer de personalidade leve, que entendia o absurdo de todo o aparato em sua volta. Então foi com bom humor que ele escarou um papel em Spice World (aquele das Spice Girls), que surgiu como mentor de Jean-Claude Van Damme em Desafio Mortal (dirigido pelo próprio astro belga), que trabalhou em programas de TV de quinta, animações, curta metragens e filmes que, não raro, o escalavam como uma paródia a Bond.
Para Sir Roger Moore, nada disso era um problema. E nem para seus fãs. Mesmo longe de Bond, a persona pública de Moore continuava poderosa, com sua vida voltada para trabalhos de caridade com a UNICEF e outras organizações mundiais voltadas à paz e ao entendimento entre os povos. Talvez, do lado de cá das câmeras, Roger Moore tenha feito mais para salvar o mundo do que seu alter ego invencível. Talvez ele tenha encontrado um equilíbrio entre essas duas vidas e usado o conhecimento para trazer alegria e alívio a quem precisava. Moore se tornou Cavaleiro do Império Britânico em 2003. O ator perdeu uma batalha contra o câncer. Mas seu legado, dentro e fora das telas, é imortal.
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