Lobo da Estepe e como Liga da Justiça perdeu a chance de derrotar a Marvel
Todo grande herói precisa de um vilão a altura. Batman tem o Coringa. O Homem-Aranha está em constante conflito com o Duende Verde. Superman tem o General Zod. O Lanterna Verde encontra seu igual em Sinestro. Os Vingadores têm Loki (e Ultron, e Thanos!). E a Liga da Justiça tem… o Lobo da Estepe? Imagino quem foi a pobre alma que sugeriu um inimigo de quinta categoria, coadjuvante do coadjuvante dos protagonistas do universo do Quarto Mundo, desconhecido até pelos próprios fãs de quadrinhos, como adversário da super equipe em seu primeiro filme. O personagem, criado por Jack Kirby em 1972, poderia servir como escada para a verdadeira ameaça, mas terminou como único vilão em uma aventura que precisava de um inimigo de maior porte para justificar a formação da Liga. Dá até para entender a lógica por trás da escolha. Mas fica difícil de engolir.
Desafio, afinal, qualquer fã da Liga nos quadrinhos a elencar seus vinte, ou trinta, maiores adversários. Periga o Lobo da Estepe não aparecer nem numa lista com uma centena. Ele sempre surgiu como participante secundário, especialmente na época em que Kirby trabalhava com a DC, lá nos anos 70. Na década seguinte, experimentou uma troca de uniforme pra justificar sua inclusão na série de brinquedos (ou "figuras de ação") que acompanhou a série Super Powers. Quando a DC experimentou sua reformulação batizada Os Novos 52, o vilão ganhou uma certa estatura como (olha só a referência!) comandante de legiões de parademônios para o onipotente Darkseid. No papel, porém, parecia que sua maior habilidade era de… ser morto!
Existe, claro, uma lógica na engrenagem que cerca um filme do porte de Liga da Justiça. O primeiro Vingadores, em 2012, trouxe Loki como arquiteto da invasão da Terra, mas quem mantinha os heróis ocupados era mesmo o exército de guerreiros Chitauri surgidos de uma fenda no céu. Zack Snyder e cia. emprestaram o mecanismo dos rivais e introduziram uma força invasora sem rosto, os parademônios, que combatem os heróis, destroem muita coisa e podem ser pulverizados sem culpa. Para liderá-los, e também para não ofuscar os paladinos da justiça, talvez a escolha de um personagem sem personalidade como o Lobo da Estepe fosse mesmo ideal – e uma escolha consciente. Afinal, é difícil argumentar que Loki não é o elemento mais interessante de qualquer filme que traga Tom Hiddleston como o príncipe asgardiano.
De novo, é uma decisão criativa compreensível, mas difícil de engolir. Afinal, a escolha do Lobo da Estepe também priva Liga da Justiça de passar uma rasteira matadora na concorrência: se o verdadeiro vilão do filme surgisse, digamos, em seu terceiro ato, e se ele fosse o poderosíssimo Darkseid, a equipe encabeçada pelo Superman teria uma ameaça digna de enfrentar seu poder coletivo. Quando Vingadores: Guerra Infinita chegasse aos cinemas meses depois, com os heróis combatendo o titã louco Thanos, seria difícil a Marvel escapar das comparações por não ter saído na frente – e por ter demorado tanto a revelar o vilão. A inspiração já com clima de blockbuster estava em mãos: o primeiro arco de histórias da Liga da Justiça nos Novos 52, batizado "Origem", trazia justamente a reunião da equipe contra forças invasoras lideradas por Darkseid. O responsável pelo roteiro? Geoff Johns, produtor de… Liga da Justiça!
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Em sua longa história nos quadrinhos, a Liga da Justiça mediu forças com protagonistas de peso. O conquistador alienígena Despero. O déspota espacial Mongul. Os Marcianos Brancos, que dizimaram a equipe. Prometheus, o "anti-Batman" que quebrou os heróis quase de forma definitiva. O androide Amazo, capaz de roubar os poderes da equipe. O Sindicato do Crime, uma versão maligna dos heróis vinda de outra dimensão. Doutor Destino (não esse que você pensou, mas outro, que controla os sonhos). Vandal Savage. Darkseid. A galeria de vilões à disposição dos cineastas parece não ter fim – isso que eu nem mencionei adversários dos heróis que vez por outra encaram a Liga, como Lex Luthor, Brainiac e o Exterminador. Todos protagonistas de grandes sagas contra os heróis nos quadrinhos. Em um exercício de fã, cada um poderia facilmente ser encaixado em Liga da Justiça e entregar o mesmo espetáculo visual.
Mas não era pra ser. Temos de nos contentar com o Lobo da Estepe, renderizado como uma das construções digitais mais constrangedoras do cinema moderno, com seus lábios movendo-se em alguns momentos fora de sintonia com a voz do ator Ciarán Hinds e a expressão artificial e incômoda que, na gringa, ganhou o nome uncanny valley: quando um personagem digital tenta se aproximar de um ser vivo mas só consegue causar afastamento da ilusão do real. A conclusão de Liga da Justiça (faça um favor a si mesmo e, se assistir ao filme, fique na sala até depois dos créditos finais) sugere uma ameaça mais empolgante, humana e perigosa para o futuro. A Liga – e os próximos capítulos da DC no cinema – merece esse alento.
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