Topo

Blumhouse: como funciona a produtora que investe pouco e lucra... horrores!

Roberto Sadovski

22/01/2018 05h23

Sobrenatural: A Última Chave não é um bom filme. Nem de longe. Quarta parte da série de terror iniciada em 2011 em um ótimo filme dirigido por James Wan, este capítulo tenta aprofundar-se na "mitologia" criada por Wan e pelo roteirista/ator Leigh Wannell (arquitetos de Jogos Mortais) e perde-se numa bobagem sobre demônios barulhentos, caçadores de fantasmas bobocas e um mundo "no além" que parece povoado por figurantes desempregados de um vídeo do Marilyn Manson. Nem o charme genuíno de Lin Shaye é capaz de manter o clima quando a heroína despacha o capeta da vez com um hadouken no meio da napa. Sobrenatural: A Última Chave é, por outro lado, parte da engrenagem absurdamente bem azeitada da Blumhouse Productions, produtora de filmes de gênero de baixo (ou baixíssimo) orçamento que, ao manter os custos no chão, consegue lucros altíssimos dentro do sistema dos grandes estúdios.

É um negócio vencedor que tem em Jason Blum seu principal idealizador. Uma década depois de formado, e após trabalhar como executivo para os irmãos Bob e Harvey Weinstein e também para a Warner, Blum formou sua própria empresa, a Blumhouse, com a idéia de fazer filmes com micro orçamentos, o que poderia ser traduzido em lucros gigantes. Ele estava certo em sua visão. Sua primeira cria foi Atividade Paranormal, filmado com 15 mil dólares que, depois de vendido para a Paramount, rodou o mundo e fechou o caixa com 193 milhões. Sobrenatural veio em 2011, faturando 97 milhões em cima de um orçamento de 1,5 milhão; e A Entidade, que rendeu mais de 77 milhões ao custo de 3 milhões. Todos se tornaram séries de sucesso, assim como Uma Noite de Crime e Ouija. Todos renderam uma fábula em cima de orçamentos mínimos. Ganham os artistas. Ganham os estúdios. E, principalmente, ganha a Blumhouse.

Leia também:

O drama Whiplash levou a Blumhouse ao Oscar

Seria fácil, portanto, que Jason Blum se tornasse uma figura folclórica no meio do terror, como o mestre Roger Corman ou Lloyd Kaufman, dono da Troma (procure O Vingador Tóxico ou Sgt. Kabukiman NYPD e seja feliz). Mas sua visão para o cinema de terror não se limitou a um nicho de excentricidades. Para quebrar este molde, Blum procurou se associar com talentos que quebrassem o molde do gênero. Scott Derrickson, de A Entidade, faria Doutor Estranho para a Marvel anos depois. Já Joe Johnston fez o caminho inverso, abraçando o mega independente Negócios Mortais, produzido pela Blumhouse, depois de completar Capitão América: O Primeiro Vingador. Rob Zombie, Eli Roth, Barry Levinson e Joel Edgerton já tiveram filmes apadrinhados por Jason Blum. M. Night Shyamalan foi resgatado da obsolescência quando o produtor bancou, seguindo sua fórmula, o despretensioso A Visita, e foi o responsável por manter os pés do diretor nos chãos ao fazer Fragmentado, uma das maiores surpresas do ano passado. O filme que conclui a "trilogia", Glass, que estreia ano que vem, tem produção de Shyamalan, Blum e da Universal. Sempre com os custos no chão.

Manter-se na caixinha dos filmes de terror seria, ao mesmo tempo, extremante lucrativo e criativamente satisfatório para Jason Blum. Ainda assim, ele não se furtou em colocar a força de sua empresa para bancar Whiplash, drama com Miler Teller e J.K. Simmons, que garfou uma pá de indicações ao Oscar, entre elas melhor filme – com Blum listado entre os produtores. O diretor e roteirista Damien Chazelle, que havia escrito o terror O Último Exorcismo – Parte 2 (que não é uma produção Blumhouse), mostrou-lhe sua ideia em quinze páginas, que Jason Blum colocou dinheiro para transformar num curta – a ideia era que a história circulasse entre outras produtoras para ajudar o filme decolar. Deu certo, e Whiplash terminou sendo executado com enxutíssimos 3,3 milhões de dólares, numa produção acelerada que durou dezenove dias. O filme terminou sua carreira com quase 50 milhões em caixa, três Oscar (melhor mixagem de som, montagem e melhor ator coadjuvante para J.K. Simmons) e o caminho aberto para Chazelle fazer seu La La Land.

A tensão racial de Corra!: o terror ganhando prestígio

Faltava a Blum, entretanto, tirar da gaveta um filme que pudesse, ao mesmo tempo, deixar sua marca como filme de terror e ganhasse o respeito de seus pares como obra de arte. O momento chegou ano passado, quando a Blumhouse apostou numa ideia do comediante Jordan Peele sobre um thriller de terror e ficção científica (!), alta voltagem racial e comentário social no centro do zeitgeist: Corra! chegou aos cinemas em fevereiro do ano passado com o risco de não alcançar o hype que o seguiu até a estreia. Não decepcionou. O filme somou 255 milhões de dólares em todo o mundo, com um orçamento de apenas 4,5 milhões. Corra! também figura em dezenas de listas de melhores de 2017, entrando no top 10 do National Board of Review e do American Film Institute, podendo surpreender amanhã quando forem revelados os indicados ao Oscar. "Todos os méritos do filme de Jordan não me surpreendem", comentou Blum quando papeou comigo no final do ano passado. "Sabíamos que o filme era muito especial e que podia ir além das amarras do gênero."

Não que Jason Blum ou a Blumhouse sejam infalíveis. Para cada tiro no alvo, uma dúzia de dejetos são produzidos, como Os Escolhidos, Jessabelle (sério….), Área 51 e A Forca. A Última Chave mostra que mesmo uma ideia bacana como a de Sobrenatural pode perder o encanto se a parte criativa não ganha um respiro. Ainda assim, o modelo de negócios da Blumhouse é atraente demais para ser ignorado – e por isso que a produtora mantém atualmente um contrato de exclusividade com a Universal, que enxerga em seus produtos baratos um celeiro de séries em potencial. A Blumhouse, por sinal, tem estendido seus tentáculos em produções para a televisão que vão além do gênero – em março o Netflix lança o remake de Benji, aquele filme do cachorrinho fofinho que fez todo mundo com mais de 40 chorar cachoeiras nos anos 70/80. A produtora entrou no mercado editorial para publicar livros que estendem a mitologia de alguns de seus filmes. E Jason Blum mostra que não esqueceu suas raízes com uma baciada de filmes de terror para os próximos meses, como o adolescente Truth or Dare? (que promete a mesma pegada de A Morte Te Dá Parabéns), a volta de Jamie Lee Curtis ao mundo de Halloween, e a nova versão do herói dos quadrinhos Spawn, marcando a estreia de seu criador, Todd McFarlane, como diretor. Tudo baratinho. Mas muito limpinho.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.