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Confuso e histérico, Cloverfield Paradox é o primo pobre de Black Mirror

Roberto Sadovski

05/02/2018 18h55

The Cloverfield Paradox é ficção científica em seu pior. É uma bagunça de lógica, uma coleção de interpretações risíveis, uma penca de diálogos constrangedores. Não é a toa que a Paramount se livrou do filme. E muito espanta o Netflix ter comprado para seu catálogo de "produções originais". Nada justifica, a não ser talvez a sanha em adquirir uma "propriedade intelectual" que já vem com grife: a assinatura do produtor J.J. Abrams. Mas o filme pode ser usado como exemplo de como não tirar um projeto da gaveta. Foi desenvolvido pelos motivos errados, executado de forma tosca e largado, literalmente, para o mundo apreciar e voltar a lavar a louça. É um desastre que por pouco não joga areia na carreira dos envolvidos. O único triunfo, se é que existe algum, é que o Netflix vendeu o pacote de forma esperta e pode abocanhar alguns incautos.

Resumindo a história. The Cloverfield Paradox começou como um roteiro chamado God's Particle, ou "partícula divina", escrito por Oren Uziel (roteirista de Anjos da Lei 2) a ser dirigido por Julius Onah (que não fez nada digno de nota). A Paramount comprou a ideia em 2012 e colocou nas mãos da Bad Robot, produtora de Abrams. Até aí, não havia a menor conexão com Cloverfield: Monstro, lançado em 2008. Assim como Rua Cloverfield, 10, de 2016, que começou sua "vida" como um roteiro batizado The Cellar (ou "o porão"), God's Particle aos poucos foi reescrito para fazer parte do "universo Cloverfield". Rodado em 2016, o novo filme passaria o ano seguinte na gaveta até que a nova chefia da Paramount teve a brilhante ideia de vende-lo para o Netflix. O primeiro trailer, já batizando o projeto The Cloverfield Paradox, foi exibido no intervalo do Super Bowl. Surpreendentemente, duas horas depois o filme já estava disponível no canal. O recado foi claro: "Vamos logo nos livrar dessa bomba".

Daniel Brühl e Zhang Ziyi tentam manter a dignidade

Acredite, é nuclear! Paradox mal funciona como sci-fi pobretona, com uma trama amarrada em pseudo ciência, física quântica e dimensões paralelas – mas é ainda pior ao tentar ser a liga entre os outros filmes do "universo". Mas, sejamos honestos: não existe nenhum universo aqui, e sim uma boa sacada de J.J. Abrams e cia. em embalar produções estilão Roger Corman com um verniz de grande estúdio e uma marca que ele insiste que significa alguma coisa. Mas Cloverfield, quando muito, poderia ser um selo bacana para filmes de gênero com orçamento baixo, alocados sob as asas de um grande estúdio. O que temos, em vez disso, é a tentativa de executivos com um abacaxi em mãos tentando consertar um roteiro ruim ao encaixá-lo num conceito que, vá lá, já está ali mesmo. Não existe nada nele, porém, que justifique a grana investida, o esforço de marketing ou a bênção de Abrams.

Mas tem uma trama, então vamos a ela. Num futuro próximo, a Terra sofre com deficiência de energia, e isso causa atrito entre os governos do mundo. Uma solução foi criar uma equipe de cientistas de todo o planeta (um americano, um russo, um brasileiro, e você pega a ideia) para, em uma estação orbital batizada Shepherd (ou "pastor"), fazer funcionar um acelerador de partículas que, ligado e estável, poderia resolver o caos no planeta. Dois anos depois e o time ainda não obteve sucesso. A tensão é grande. Mas quando a experiência finalmente é bem sucedida, a energia liberada pelo aparato rompe barreiras interdimensionais, arremessando o Shepherd e sua tripulação a uma realidade paralela. A equipe precisa, então, consertar a fissura e voltar para casa – mesmo que a trama absolutamente incompreensível teime em ficar no caminho. Se fosse um roteirinho enxuto, mais sexy e direto, daria um episódio incrível de Black Mirror. Mas a sombra de Cloverfield carrega ainda mais o roteiro, com explicações para o monstro do primeiro filme, a invasão do segundo e uma cena final que me fez engasgar de tanto rir.

Cloverfield é isso: um completo desastre

House of Cards, Stranger Things, Narcos, Star Trek: Discovery e as séries da Marvel provaram que o Netflix não entrou no jogo para brincar. Mas suas produções originais ainda precisam de certo tempero não só para justificar o investimento gigante, mas também para "tomar o lugar do cinema", como os executivos do canal já ventilaram. War Machine, com Brad Pitt, passou batido. As comédias com Adam Sandler não fazem nenhum barulho. Eu arrisquei um terror chamado Vende-Se Esta Casa e foi um martírio chegar ao fim. E nem vou falar de Bright, aquela coisa com Will Smith que, de longe, foi o pior filme que eu assisti em 2017. The Cloverfield Paradox só entra em campo para atrapalhar. Prefiro acreditar que eles ainda estão encontrando o rumo com seus filmes. Mas se errarem com The Irishman, de Martin Scorsese, será a prova definitiva que lugar de filme é mesmo, e só mesmo, no cinema.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.