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Elenco poderoso sustenta o superestimado Três Anúncios Para um Crime

Roberto Sadovski

15/02/2018 17h08

Frances McDormand é uma força da natureza. Só mesmo uma atriz de talento absurdo para dar credibilidade e empatia à protagonista de Três Anúncios Para um Crime, a revoltada e radical Mildred Hayes, espinha dorsal de uma trama sobre ódio, frustração e retribuição. Em seus ombros repousa o sucesso do filme de Martin McDonagh, e sua influência faz com que seus companheiros em cena também sejam superlativos – especificamente Sam Rockwell e Woody Harrelson. São atores no auge de seu talento, emprestando estofo a um filme pesado e doloroso, pincelando a resistência de seus personagens em abrir mão da dor e lhes dando humanidade. Sem eles, Três Anúncios, acredite, passaria sem fazer barulho. Porque sua trama, no fim das contas, não é essa coisa toda.

O ponto central da narrativa são os três billboards que Mildred contrata com uma mensagem singela: "Estuprada enquanto morria", "E ninguém foi preso?", e "Como pode, Chefe Willoughby?". O recado tem endereço certo: a polícia da pequena Ebbing, no Missouri, que em sete meses de investigação rasteira não descobriu nenhuma pista sobre o assassino da filha de Mildred, Amanda, violentada e carbonizada a dezenas de metros de sua própria casa. Cansada de esperar alguma novidade pelos homens da lei, e certa de que a melhor maneira de manter o caso em curso é chamar atenção da opinião pública, Mildred ergueu os billboards. A reação é esperada. Parte da população, que quer colocar o caso de violência na gaveta, fica revoltada. A polícia, representada por Willoughby (Harrelson), tenta explicar que o caso é complicado. E o policial Dixon (Rockwell), um poço de violência, incompetência, imaturidade e amargura, desconta a frustração com os punhos.

Woody Harrelson e Sam Rockwell são os homens da lei em Ebbing

A rede tecida por McDonagh é intrigante, e sua direção alterna o peso da história com humor negro insuspeito. Seu grande acerto foi não ter feito de Mildred uma protagonista simpática. Pelo contrário. Ela é grosseira e impertinente, confundindo sua dor (justa) com a raiva que sente de si própria por ter sido uma péssima mãe. É esse sentimento, essa vontade de auto infligir ainda mais sofrimento, que a torna tão determinada a cutucar uma comunidade pequena, preconceituosa e que vive no limite de estourar. Frances McDormand vende a personagem de maneira brilhante, acentuando sua humanidade em pequenos momentos, em frases e gestos, fazendo com que a plateia entenda, ou ao menos aceite, seus atos mais radicais (incendiar uma delegacia, por exemplo, eu diria que está na lista de "atos radicais").

O problema de Três Anúncios Para um Crime, entretanto, está na absoluta certeza de seu diretor/roteirista em criar algo muito especial, moderno e memorável. Alguns personagens são caricaturas grotescas de seres humanos. A mãe de Dixon, por exemplo, é a caipira racista que lamenta negros terem algum direito – mesmo que o filme não se passe na época de O Sol É Para Todos. O ex-marido de Mildred, interpretado em poucas cenas e com muita fúria por John Hawkes, ganha uma namorada (de 19 anos, o que os personagens repetem à exaustão) que não tem muita função além de alívio cômico. Peter Dinklage, sempre soberbo em Game of Thrones, merecia um papel melhor do que "anão da cidade". Apesar do esforço do elenco, são personagens rasos em um filme que exige densidade.

(From L-R) Actress Frances McDormand, actor Peter Dinklage and director/writer Martin McDonagh on the set of THREE BILLBOARDS OUTSIDE EBBING, MISSOURI.<br /> Photo by Merrick Morton. © 2017 Twentieth Century Fox Film Corporation All Rights Reserved

Martin McDonagh dirige Frances McDormand e Peter Dinklage

Os diálogos, por outro lado, surgem como um problema ainda maior. Ninguém em Ebbing, à exceção de Mildred e, vá lá, Willoughby e Dixon, soa como uma pessoa normal. Cada vez que outros moradores interagem com o trio principal o texto parece ter saído da sala de redatores do Saturday Night Live. Não por ser cômico, mas por sempre trazer uma ironia esperta, uma sacada pop engraçada, que mina o clima de tensão, retira parte do impacto do filme e não parece sair da boca de pessoas de verdade. Isso fica claro em uma sequência com McDormand e Dinklage num restaurante, que causou risadas nervosas na plateia que via o filme comigo, e nas cartas escritas por Willoughby para ser entregues e lidas postumamente. São arcos dramáticos impostos a personagens que mereciam mais cuidado, soluções narrativas apressadas e até ingênuas. Colocar um chefe de polícia negro numa cidade racista deve ter soado como mega transgressor na visão de McDonagh.

Impressiona, portanto, tanto amor recebido por Três Anúncios Para um Crime nessa temporada de premiações, garfando o Globo de Ouro de melhor filme e chegando ao Oscar com tamanha moral. Claro, Frances McDormand merece todos os aplausos, e colocar como protagonista uma mulher que a) não se vitimiza e b) não faz a mínima questão de ser simpática é um feito, mesmo que se encaixe nas normas da Hollywood pós-moderna. Em meio a filmes que realmente deixam sua marca como agentes de mudança na cultura pop, como Corra! e A Forma da Água, Três Anúncios Para um Crime parece ser mais do mesmo, algo feito sob encomenda para agradar a um público cansado da maratona anual de blockbusters e perfeitamente esquecível assim que as luzes se acendem. É um bom filme. Mas não é o melhor que Martin McDonagh pode oferecer: para isso, é bom assistir a Na Mira do Chefe, que ele dirigiu em 2008. Ali sim é cinema com "C" maiúsculo!

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.