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Círculo de Fogo: A Revolta mostra como NÃO continuar uma boa ideia

Roberto Sadovski

27/03/2018 01h10

Não existe nada particularmente errado com Círculo de Fogo: A Revolta, ficção científica com monstros e robôs gigantes que continua o filme dirigido por Guillermo del Toro em 2013. Exceto, claro, pelo fato de A Revolta ser todo errado, de ponta a ponta. Criar uma aventura desse porte exige, claro, domínio das técnicas para executar um espetáculo de efeitos especiais. O diretor Steven S. DeKnight, que construiu sua carreira produzindo Spartacus e Demolidor para a TV, sabe utilizar os brinquedos da caixinha. Mas na hora de sair da gaveta um filme precisa ser mais do que técnica. Exige paixão, exige uma visão. DeKnight construiu uma aventura até empolgante. Mas, sem subtexto para dar estofo às ideias, o resultado é um filme derivativo, sem sutileza ou originalidade.

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Porque Guillermo del Toro, oscarizado por A Forma da Água, é apaixonado por seus monstros. Em sua visão, Círculo de Fogo usa a invasão da terra por criaturas abissais de uma dimensão paralela, combatidos com robôs gigantes pilotados por duplas de humanos conectados mentalmente, para sublinhar que os verdadeiros monstros são aqueles que combatemos em nossa cabeça. Famílias desfeitas, sonhos estilhaçados e um planeta à beira da extinção são combustível para Del Toro criar batalhas com densidade, em que a platéia sente o alto risco de uma derrota. O texto, assinado por Travis Beacham e pelo próprio Del Toro, brincava com os clichês do apocalipse e trazia uma mistura nervosa de humor e tensão – em especial com "traficante de órgãos de monstros" defendido por Ron Perlman.

John Boyega e Scott Eastwood: clichês com pernas

Todos esses elementos estão ausentes de A Revolta, uma continuação que mira no legado de seu antecessor. O protagonista é Jake (John Boyega, charmoso como nos novos Star Wars), filho do herói supremo da resistência terrena, Stacker Pentecost (interpretado no filme original por Idris Elba). Abraçando cada um dos clichês do herói relutante, Jake a princípio rejeita sua herança, para depois abraçá-la para treinar uma nova geração de pilotos de Jagers (os robôs gigantes), que podem ter de encarar o retorno dos Kaijuns (os monstros gigantes). Seu "parceiro" é Nate Lambert (Scott Eastwood, filho de Clint, que provavelmente ficou muito tempo largado no Sol quando moleque), este sim destinado a repetir absolutamente a todos os clichês do militar linha dura (mas que esconde um grande coração). Clichês e mais clichês, amarrados sem nenhuma finesse. Ao menos os robôs são legais.

Ou quase. Um dos maiores trunfos do primeiro Círculo de Fogo era a sensação de peso sugerida por criaturas e máquinas tão colossais. Quando um Jager arrebentava um Kaiju usando um navio como taco de baseball, o cinema inteiro estremecia. A Revolta substitui a gravidade por um balé meio desengonçado, em que as batalhas se desenrolam em cidades (esvaziadas, minimizando o risco de dano colateral a zero) em que seus edifícios se esfarelam ao menor toque. O escopo é gigante, mesmo que o resultado perca impacto. DeKnight, que divide o crédito do texto com mais um trio de roteiristas, até que bola uma solução engenhosa para a volta dos Kaijus, isolados em sua dimensão ao fim do filme original. Mas a década que separa a cronologia das duas aventuras não bate com os planos desfraldados em cena. Um filme com robôs gigantes combatendo monstros colossais, vá lá, não precisa fazer tanto sentido. Mas é isso que separa um sucesso tênue der um clássico duradouro.

Cailee Spaeny é irritação pura

O golpe final em Círculo de Fogo: A Revolta, porém, tem nome e sobrenome. É Amara Namani (interpretada com verve irritante por Cailee Spaeny), que basicamente é a adolescente de Transformers: O Último Cavaleiro sem a dezena de ângulos capturados por Michael Bay. Amara constroi seu próprio Jager em miniatura e, em uma cena que deixaria os responsáveis por O Último Grande Herói orgulhosos, é designada para treinar com cadetes que estão no jogo há muito mais tempo. Ela vai, claro, desobedecer ordens para salvar o dia – mais um clichê para a pilha acumulada até aqui. A Revolta tem, afinal, um pouco para todo mundo. Uma pitada de Power Rangers, um naco de Thunderbirds (o filme terrível, não a série bacana), uma fatia de todo e qualquer filme com um grupo de milicos carregando nos jargões. Só não tem um personagem com um nome tão bacana quanto Stacker Pentecost. E eles querem que a gente acredite que esse sujeito batizaria seu filho de… Jake?

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.