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Maior e mais ousado, Deadpool 2 ensaia maturidade mas só acerta na comédia

Roberto Sadovski

15/05/2018 02h47

Deadpool é o Seinfeld dos filmes de super-heróis. Assim como a série imortal do comediante nova-iorquino, os dois filmes do mercenário (igualmente imortal) são sobre… o nada. Existe, claro, um fiapo de história para guiar a coisa toda. No fim, porém, a trama não passa de desculpa para os produtores atropelarem piada sobre piada, tirando sarro não só do sub-gênero ao qual pertence mas também do cinemão ianque em geral. É como as comédias que existem exclusivamente para parodiar outros filmes de sucesso (Todo Mundo em Pânico, Os Espartalhões, Super-Heróis: A Liga da Injustiça): as risadas dependem da bagagem pop de cada um. Deadpool 2 é seu antecessor usando esteróides. É maior, mais ambicioso, mais violento e também mais absurdo. É, também, como ouvir uma mesma piada muito engraçada: as risadas podem ser mais tímidas, mas ainda são honestas. Vai fazer rios de dinheiro, claro. E, assim como outros filmes de super-heróis, não deve parar por aí.

Ser mais do mesmo, neste caso, não é exatamente um problema. Deadpool 2 até ensaia uma narrativa mais madura, sugerindo que o personagem possa ganhar alguma dimensão que tenha empatia com quem não tem 12 anos de idade e dá risadas com piadas de pum. Ele tenta, não consegue, já que seu próprio mergulho nessa "jornada de auto-conhecimento" não passa de mais desculpas para gags intermináveis e munição para sua metralhadora de piadas infames: Deadpool 2 não leva Deadpool 2 a sério. A trama é mais ou menos assim: isolado na mansão dos mutantes X-Men depois de uma tragédia, Deadpool entra para a equipe como estagiário e tenta salvar Russell (Julian Dennison, de A Incrível Aventura de Rick Baker) um pivete mutante de ser morto pela polícia. Tudo dá errado, o mercenário e o moleque vão para a prisão juntos e logo se tornam alvo do viajante do tempo Cable (Josh Brolin), que vem do futuro para matar Russell e impedir que ele se torne um tirano superpoderoso em alguns anos. Ou seja, é a trama de Looper, com Cable assumindo o lugar de Bruce Willis.

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Daí em diante, Deadpool 2 se torna uma coleção de sketches cômicos mal alinhavados como um roteiro. Para deter Cable, o anti-herói cria sua própria superequipe, a X-Force, o que não passa de desculpa para o diretor David Leitch (De Volta ao Jogo, Atômica) e sua equipe fritar, sempre com humor ácido, os filmes da DC, o co-criador de Deadpool e Cable nos quadrinhos, Barbra Streisand, os X-Men, Hugh Jackman, Brad Pitt, o próprio Leitch e a carreira de Ryan Reynolds. Essa liberdade meio perversa é o melhor elemento do filme, que potencializa as risadas quando o público entra no mesmo clima e não dá tanta bola pro fato de Deadpool 2 ser, basicamente, três sequências de ação amarradas com nossa cumplicidade. Ferris Bueller estaria orgulhoso.

O elenco, claro, entra na roda. Zazie Beetz é uma revelação como a mutante Domino, cujo poder é ter muita sorte – algo constantemente contestado por Deadpool. Morena Baccarin deve ter tirado o palito menor no sorteio, já que sua Vanessa é menos uma personagem e mais uma moldura para o filme. Josh Brolin (que não escapa de ser chamado de Thanos) às vezes parece estar em outro filme como Cable, atormentado pela lembrança da família morta no futuro e fazendo sua melhor imitação de Exterminador do Futuro – vale ressaltar que sua origem em nada lembra as histórias em quadrinhos, o que poupa os cineastas de condensar décadas de gibis confusos mas pode enfurecer alguns puristas. Um punhado de rostos mais famosos também abrilhantam a aventura, mas entregar seria estragar a diversão alheia. Basta dizer que a obsessão do taxista/fanboy Dopinder (Karan Soni) por Entrevista com o Vampiro não é ao acaso. E o retorno de um vilão do mundo dos X-Men, mostrado anteriormente no cinema, mas aqui numa versão mais fiel aos gibis, deve deixar os fanáticos mais domesticados.

A X-Force pronta para entrar em ação

O MVP de Deadpool 2, porém, ainda é indiscutivelmente Ryan Reynolds. Claro, o astro canadense vai ter de ralar um monte para abraçar um filme em que ele não abrace algum aspecto do mercenário, mas ele não parece tão focado no futuro. No momento, por outro lado, ele se junta a Robert Downey Jr. e a Hugh Jackman como intérpretes de super-heróis dos quadrinhos que dificilmente poderão ser substituídos no cinema. Para todos os efeitos, ele agora é Deadpool, e usa essa medalha com orgulho. Com crédito também como roteirista (ao lado de Rhett Reese e Paul Wernick), fica óbvio que a construção do anti herói teve participação decisiva de Reynolds, que certamente usou sua influência entre seus pares não só para chamar uma turma para o filme, como também para enfileirar algumas piadas mais ácidas e sair sem um arranhão. Sua dedicação eleva Deadpool 2 para além de mais um produto descartável.

O que, no fim das contas, é exatamente o que ele é – e não há nada errado com isso. Vingadores: Guerra Infinita já entregou o escopo épico e a catarse emocional que o fã do cinemão precisava injetar na veia. Deadpool 2 também é épico e emocionante… só que de sua maneira torta, o que o deixa ainda mais simpático e mais fácil de abraçar – mesmo que seu público-alvo sequer possa entrar no cinema por conta da classificação indicativa. A aventura também prova que ninguém precisa vomitar sua erudição em HQs ao encarar uma sessão do mercenário tagarela: o maior mérito de Ryan Reynolds e suas duas incursões com o traje colante vermelho (e também cinza, caro fã!) ainda é ter transformado um personagem de quadrinhos medíocre, refugo de uma era criativa sofrível, em um ídolo das multidões genuíno. Ou seja, melhor esquecer os gibis. Com o novo filme, fica claro que o lugar de Deadpool é mesmo no cinema.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.