Sem emoção ou propósito, Han Solo é uma história Star Wars decepcionante
Han Solo é menos uma "História Star Wars" e mais uma coleção de recortes, uma colagem de momentos que tenta visualizar o passado do anti herói imortalizado por Harrison Ford na saga, uma vida antes de ele atirar em Greedo na cantina de Uma Nova Esperança. Aqui ele não é ainda o sujeito arrogante e impulsivo que se tornou um dos personagens mais icônicos do cinema. A boa notícia é que Alden Ehrenreich, que assume Han Solo em sua "origem", carrega um pouco do charme canalha de Ford e não cede ante o peso do papel. A notícia não tão boa, por outro lado, é que o filme surge como uma aventura espacial movimentada e até divertida, mas sem propósito, sem nenhum crescendo emocional, sem um vilão que imprima algum senso de perigo e sem o verniz operístico de tudo que traz o selo Star Wars.
Tirando isso do caminho, sobra a Han Solo: Uma História Star Wars uma aventura que escolhe um caminho sem riscos, um produto corporativo que serve para manter a marca acesa e colocar mais um bloco na construção deste universo expandido. A escolha de Ron Howard para assumir o comando do filme é emblemática. O diretor, que venceu o Oscar por Uma Mente Brilhante, já tinha sua carteirinha da Lucasfilm carimbada desde que foi considerado para dirigir A Ameaça Fantasma. Os laços com a empresa são ainda mais sólidos, já que Howard protagonizou, como ator, o primeiro sucesso de George Lucas, Loucuras de Verão, e dirigiu para ele a fantasia medieval Willow. É de se estranhar que o responsável por filmes tão diversos como O Código Da Vinci e Rush só tenha entrado na festa da galáxia muito distante agora – mesmo que tenha sido quase um improviso.
Afinal, a essa altura só podemos especular como Han Solo teria sido nas mãos de seus diretores originais, Phil Lord e Chris Miller, responsáveis por Anjos da Lei e Uma Aventura Lego. A dupla foi responsável pela escolha do elenco e da equipe, e estava com o filme quase pronto quando os atrasos constantes na produção impeliram sua demissão nas mãos da produtora Kathleen Kennedy ano passado. Na época a coisa foi tratada com o silêncio dos bastidores, mas agora fontes ligadas ao projeto revelaram que Lord e Miller buscavam constantemente experimentar em cima do roteiro do veterano Lawrence Kasdan, talvez em uma tentativa de deixar a história de um notório fora da lei mais ousada e arriscada. Mas "risco" é uma palavra inexistente no dicionário da Lucasfilm e Howard foi, então, trazido à bordo para traduzir o texto em imagens, sem firulas. Ele terminou refilmando um naco considerável, cerca de 70 por cento do filme, e assina a direção sozinho.
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Não é ao acaso, portanto, que Han Solo surge como um produto sem muita personalidade. Não que Star Wars seja um universo com a cara de seus autores, mas J.J. Abrams e Rian Johnson – e, até certo ponto, Gareth Edwards – conseguiram imprimir sua assinatura em O Despertar da Força, Os Últimos Jedi e Rogue One. Estes filmes da nova geração de Star Wars podem obedecer a uma estrutura narrrativa que precisa conversar com toda a saga, mas o fazem com uma mistura inteligente de coerência, respeito e evolução. Ron Howard, que herdou uma engrenagem já em movimento, conseguiu ao menos criar um filme bem amarrado e, em certos momentos, inspirado. Mas nunca teve um texto bacana para trabalhar em primeiro lugar. O grande problema aqui é essa volta ao passado, com Kasdan, seu filho Jonathan e o próprio Howard arquitetando um roteiro para a origem para Han Solo sem comprometer tudo que já sabemos sobre o personagem, ao mesmo tempo que buscam construir uma história interessante em torno dele.
O sucesso é apenas parcial. Han Solo traz Ehrenreich como um ladrão habilidoso e piloto nato no planeta Corellia, ainda que preso às gangues que controlam o lugar. Ele desenha um plano para "comprar" uma nova vida ao lado de Qi'ra (Emilia Clarke), criada com ele nas mesmas ruas e becos imundos. A estratégia não dá certo e Han, para não ser preso ou morto, é obrigado a se alistar com o nascente Império, deixando sua amada para trás. Daí somos arremessados em meio a uma guerra, onde Han conhece o ladrão e contrabandista Tobias Beckett (Woody Harrelson, o grande achado do filme) e sua gangue. Juntos eles buscam um golpe que pode garantir uma boa vida – e um lugar no sindicato do crime conhecido por Aurora Rubra. É a desculpa para Han Solo se tornar uma lista de "coisas para fazer" com seu protagonista, deixando de lado não só seu desenvolvimento orgânico mas também qualquer tentativa de construir o personagem que foi apresentado já calejado quando Ben Kenobi e Luke Skywalker precisaram de transporte para sair de Tatooine.
Assim, o filme vai batendo ponto a ponto, sem adicionar nada a seus personagens que a gente não saiba desde 1977. O encontro com Chewbacca! A aliança inesperada com Lando Calrissian (Donald Glover, em alta depois do "This Is America", divertindo-se em cada cena)! O primeiro voo com a Millenium Falcon! As frases de efeito! O blaster! É como se um fã ranheta escrevesse uma "lista de compras" sobre o passado de Solo, e a LucasFilm a usasse como base para o roteiro. Em nenhum momento, porém, Han Solo ganha aquele crescendo emocional tão comum à saga, tão necessário para capturar o coração (e fechar a garganta) da plateia. Não há aqui nenhum momento que provoque catarse em seu público. Não há "Eu sou seu pai", não há " Eu sou um Jedi, como meu pai antes de mim". Não há um Han Solo envelhecido confrontando seu filho. Não há Darth Vader moendo um corredor de soldados da Aliança Rebelde para recuperar os planos da Estrela da Morte. Não há Rey e Kylo Ren combatendo, juntos, os soldados de elite do Líder Snoke. Não há Luke sussurrando "Te vejo por aí, garoto".
Se você não for exigente,Han Solo: Uma História Star Wars é um "filme de roubo" decente, com personagens constantemente passando a perna uns nos outros, entrecortado por meia dúzia de cenas de ação em uma narrativa que não liga muito para a lógica. Ron Howard é um sujeito competente, Alden Ehrenreich não faz feio e não deixa de ser revigorante assistir a um filme com a marca Star Wars sem ter de lidar com Jedis, com a Força, com o Império ou com os rebeldes. Por outro lado, elimine todos os elementos que identificam a saga…. e o que sobra? Um personagem tão icônico, com uma estrutura de produção tão poderosa à disposição, merecia mais que uma aventura inofensiva, salpicada por alguns momentos empolgantes. Sem um propósito claro e sem nenhuma conexão emocional, qualquer boa vontade é sacrificada em afagos pouco inspirados que só interessam aos fãs mais hardcore. Não deixa de ser irônico um filme sobre Han Solo ser tão certinho e previsível, contente em seguir regras e em não arriscar. Como produto, funciona. Como filme, porém, Han Solo: Uma História Star Wars parece congelado…. em carbonita!
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