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Por que pode ser uma boa ideia ter o Pinguim como vilão em The Batman

Roberto Sadovski

31/05/2018 04h13

No meio do desastre absoluto que é esse universo da DC no cinema, The Batman, projeto que o diretor Matt Reeves aos poucos vai materializando, ganha mais contornos. Nesse processo absurdamente lento, vez por outra pinga uma nova informação. A mais recente dá conta que o vilão a enfrentar o Cavaleiro das Trevas seria o Pinguim…. e aí o estado das coisas da DC no cinema mostra sua cara feia. Justin Kroll, colunista da Variety, foi quem revelou a possibilidade de o Pinguim enfrentar o Homem-Morcego – ao mesmo tempo, Kroll conta que, se Reeves decidir seguir outro caminho, daí o vilão seria aproveitado em outro filme da DC, Aves de Rapina. Ou seja, o "plano" nos corredores do estúdio é, aparentemente, não ter plano algum.

A culpa pode ir pra conta de Liga da Justiça. Depois que a grande aposta com os maiores heróis da Terra afundou feito uma bigorna, todo o plano de criar um universo unificado foi para o vinagre. O que é, no fim das contas, algo positivo, já que a coisa não estava funcionando. Nessa "nova direção" não oficial, Aquaman chega aos cinemas em dezembro, seguido de Shazam! ano que vem e um segundo Mulher-Maravilha já em pré-produção. A cola que junta todas essas peças parece ter enfraquecido, e os novos filmes são sugerem mais uma conexão entre eles. Nesse quebra-cabeças, entra Aves de Rapina, que traria a Arlequina de Margot Robbie, dois (!) projetos encabeçados pelo Coringa (talvez a pior ideia num conjunto de ideias ruins), e The Batman. Este último começou como cria de Ben Affleck, que além de vestir o traje do herói também seria responsável pelo roteiro e direção. Mas as pauladas em Batman vs Superman e em Liga da Justiça fizeram o astro reavaliar seu papel, abrindo espaço para Reeves, um diretor talentoso que conduziu os dois últimos Planeta dos Macacos, assumir o trampo. Affleck, por sua vez, segue como protagonista.

Até segunda ordem, Ben Affleck ainda é o Homem-Morcego em The Batman

O que nos leva ao Pinguim. O estúdio, pelo jeito está determinado a colocar o vilão nos cinemas de alguma forma. The Batman seria o destino mais adequado, mas um dos roteiros de Aves de Rapina sendo considerado pelos engravatados (e fazer gincana de roteiros é sempre uma péssima ideia) o coloca como antagonista. Essa demanda não é ao acaso. Depois do Coringa, o Pinguim deve ser um dos vilões mais reconhecíveis da cultura pop, com a cartola, o cigarro com piteira e o monóculo – não importa qual interpretação. Na série de TV dos anos 60 ele surgia como uma caricatura, materializada pela interpretação cômica do sensacional Burgess Meredith. Tim Burton escolheu outro caminho, transformando-o em um mutante assassino criado nos esgotos, uma caracterização sensacional de Danny DeVito em Batman – O Retorno. Nos quadrinhos ele oscilou entre diversos caminhos até ser consagrado como o gênio do crime de gosto refinado e propensão a explosões de violência que ainda hoje complica a vida do Homem-Morcego.

Não importa o modo como ele seja retratado (de novo) no cinema, sua escolha mostra que os planos da DC, seja em The Batman, seja em Aves de Rapina, é se afastar do tom sombrio e exageradamente violento que dominou os novos filmes com os personagens da editora desde que Zack Snyder lançou O Homem de Aço em 2013. Foi uma estratégia totalmente equivocada que rendeu bomba atrás de bomba – não é ao acaso que a única produção a apostar na leveza, Mulher-Maravilha, é o único sucesso de crítica e público do Universo Estendido DC. O Pinguim, além de ser um vilão conceitualmente caricato, empresta um toque fantasioso que pode determinar um caminho afastado das trevas para os próximos filmes. Ninguém, afinal, quer que filmes de super-heróis sejam realistas – a não ser que a proposta seja muito clara, como Logan ou Batman – O Cavaleiro das Trevas. O próprio Christopher Nolan rejeitou a ideia de colocar o Pinguim em sua trilogia com Christian Bale como o herói, mesmo quando o estúdio queria Philip Seymour Hoffman no papel. "Me empolga muito mais ter Philip no filme do que ter o Pinguim", disse Nolan. "Alguns personagens são mais fáceis de encaixar em nossa visão mais real do Batman. O Pinguim seria complicado."

O Pinguim nos quadrinhos: caricato e ainda perigoso

A visão de Nolan, claro, foi perfeita para sua trilogia, mas totalmente equivocada quando aplicada em um universo com alienígenas superpoderosos, princesas amazonas ou monarcas submarinos. A DC errou ao imprimir o mesmo tom em O Homem de Aço (um filme que o tempo foi generoso) e insistiu no erro nos filmes seguintes. Sem um "líder" dentro do estúdio para alinhar o caminho, como Kevin Feige faz na Marvel, o que vemos foi um jogo de tentativa e erro bancado com centenas de milhões de dólares e com a boa vontade dos fãs. O fracasso de Liga da Justiça acendeu um sinal de alerta no estúdio, que parece tentar consertar o cenário para continuar lucrando com esses personagens no cinema. Eu tenho fé em Aquaman unicamente por conta de James Wan, e Shazam! parece seguir um caminho mais leve e otimista.

A jóia da coroa da DC, por outro lado, sempre foi o Batman. O roteirista Mark Millar, criador de Kick-Ass e de Kingsman, credita o sucesso dos filmes do Homem-Morcego ao fato de, entre os heróis da DC, ele ser o mais semelhante à turma da Marvel: origem trágica, identidade secreta, um homem comum por trás da máscara, com dilemas e conflitos tão interessantes quanto sua persona heróica. As aventuras do Superman e da Mulher-Maravilha são sobre o Superman e a Mulher-Maravilha; as histórias do Batman são sobre Bruce Wayne. É um detalhe que faz toda a diferença, e uma humanização que Matt Reeves parece compreender. Falta ao estúdio decidir qual caminho seguir e deixar o homem trabalhar. Só deu ruim mesmo para Joe Manganiello, que foi contratado para dar vida ao vilão Exterminador ainda quando Ben Affleck dava as cartas em The Batman, e pelo visto terá de se contentar com uma ponta chulé em Liga da Justiça.

 

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.