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Peter Jackson volta à fantasia e põe cidade sobre rodas em Máquinas Mortais

Roberto Sadovski

05/06/2018 12h11

Seria fácil jogar Máquinas Mortais no mesmo balaio de outras séries no estilo young adult, a literatura adolescente que se popularizou no cinema de Crepúsculo à frente. Os livros de Philip Reeve trazem, num resumo grosseiro, uma heroína revolucionária e um jovem inserido num "sistema" aparentemente corrupto, ambientado num futuro distópico, unidos em uma luta por liberdade, contra a opressão. "Eu não chamaria de distopia", apressa-se em me corrigir o diretor Christian Rivers, que faz aqui sua estreia em um longa-metragem. "A história se passa milhares de anos no futuro, e esse futuro é feito de lugares belos e culturalmente ricos." Ele sabe o que fala. Afinal, Rivers foi escolhido a dedo para comandar este épico de fantasia por seu produtor, um sujeito que entende uma ou outra coisa sobre mundos fantásticos: Peter Jackson.

A história de Jackson com Máquinas Mortais começou há uma década, quando ele adquiriu os direitos da obra de Reeve, quatro livros publicados entre 2001 e 2006. Os romances mostram como a sociedade se reergueu, centenas de anos no futuro, após ser devastada pela Guerra dos Sessenta Minutos. A civilização agora percorre a Terra devastada em cidades gigantescas, ou "cidades-tração", basicamente nações independentes erguidas sobre máquinas móveis – metrópoles que literalmente devoram cidades menores para se apropriar de seus recursos. "Eu achei as regras que Reeve criou fascinantes", explica Jackson, papeando direto da Nova Zelândia, onde ele e Rivers trabalham na pós-produção do filme para seu lançamento em dezembro. "São três mil anos no futuro, a fase distópica já passou, a sociedade foi reerguida nestes lugares que não são terríveis, apenas diferentes." O produtor arremata: "Civilizações já entraram em colapso e foram reconstruídas, a diferença aqui é a escala".

As cidades percorrem a Terra em arte conceitual de Máquinas Mortais

O desafio espelha aquele que Peter Jackson enfrentou na virada do século, quando começou a traduzir para o cinema o mundo de fantasia construído por J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis. "Sempre buscamos as ferramentas certas para executar um roteiro", explica o produtor. "A gente escreve e depois quebra a cabeça para descobrir como levar aquilo ao cinema." Sua abordagem, mesmo ao retratar a Terra-Média, foi encarar o trabalho como a construção de um mundo real, e não de fantasia. "O pensamento em O Senhor dos Anéis foi buscar inspiração no passado, na Idade Média, já Máquinas Mortais nos obriga a imaginar o futuro", continua. "São cidades móveis, sobre rodas ou esteiras gigantes, como as de um tanque, e precisamos que tudo pareça real." Christian Rivers alimenta o fogo: "Nunca vimos algo nessa escala, porque além dos efeitos digitais e dos outros truques que tivemos de começar pelo rascunho, as cidades tinham de ser reconhecíveis, com nossa Londres sobre rodas misturando componentes industriais e detalhes arquitetônicos que fazem dela… Londres!".

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Christian Rivers fala com determinação de veterano, mesmo assumindo o comando de um filme pela primeira vez. Não é novidade Peter Jackson apostar em um novo diretor: da última vez que ele produziu a estreia de um protegido, o mundo ganhou Distrito 9 e o talento de Neill Blomkamp. Rivers, por outro lado, trabalha com o produtor há vinte e cinco anos, desenhando seus storyboards desde Fome Animal, de 1992, e colocando seu dedo em praticamente todo departamento técnico da obra de Jackson desde então. "Ele sabe contar uma história e sabe manejar as ferramentas para torná-la realidade", derrete-se. "Seu trabalho me inspira confiança, e escolher um diretor para um filme dessa escala resume-se a confiança. E seus curtas são geniais!" Um detalhe importante não pode ficar de fora: o Um Anel, fonte de poder de Sauron e centro da narrativa de O Senhor dos Anéis, foi forjado tendo seu próprio anel de noivado como modelo.

Hera Hilmar é Hester Shaw, heroína com desejo de vingança

Claro que o trabalho de direção de um longa como Máquinas Mortais exige, além das habilidades técnicas, a sensibilidade para escolher um elenco que habite seus personagens com perfeição. Um ponto importante foi apontar atores e atrizes capazes de carregar o filme como protagonistas, mas não escolher rostos familiares: a ideia é a plateia enxergar os personagens, e não seus intérpretes famosos. A responsabilidade em fazer a ponte com o público foi para os ombros da islandesa Hera Hilmar, que deve completar 30 anos quando o filme estrear. Ela é Hester Shaw, que se infiltra em Londres após ver sua cidade-tração pilhada pela gigante sobre rodas. Seu plano é de vingança: ela quer assassinar o líder da Guilda de Historiadores, Valentine (Hugo Weaving, emprestando peso ao vilão da trama), mas sua tentativa é frustrada pela interferência de Tom Natsworthy (Robert Sheehan), um aprendiz de historiador. Fora da cidade e dados como mortos na terra devastada, eles precisam retornar à Londres e impedir os planos nefastos de Valentine. "Escolhemos atores mais velhos que os retratados nos livros até para fugir do estereótipo do estilo young adult", explica Rivers. "Hera e Rob são charmosos e críveis, então a plateia tem um ótimo ponto de partida.

Enquanto Máquinas Mortais vai sendo lapidado, Peter Jackson pondera sobre seu próprio futuro, que recentemente foi colocado nos holofotes quando ele foi apontado como parte da equipe que vai adaptar (novamente) O Senhor dos Anéis, agora para a televisão. Além disso, o diretor terminou numa lista de possíveis candidatos para conduzir parte do universo DC para o cinema. "A adaptação da obra de Tolkien para a TV ainda está tão cedo em seu desenvolvimento que provavelmente eu sei tanto quanto você", conta, direto ao ponto. "Já isso de eu dirigir um filme da DC é uma bobagem, eu não sei de onde essas notícias aparecem." Antes de encerrar o papo, porém, eu lembro que Jackson também produziu o trabalho de outro diretor com sangue nos olhos, um jovem apaixonado por cinema que comandou As Aventuras de Tintin. "Ah, Steven está trabalhando naquele outro filme dele", diverte-se, referindo-se ao quinto Indiana Jones. "Mas eu vou dirigir Tintin com ele produzindo, assim que nossas agendas se alinharem. Em dois, no máximo três anos, a gente retoma a parceria. Tudo acontece no momento certo."

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.