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Com mais sustos e menos dinos, novo Jurassic World arrisca renovar a série

Roberto Sadovski

18/06/2018 04h05

Jurassic Park, lançado um quarto de século atrás, é uma obra-prima moderna. Steven Spielberg, munido do livro de Michael Crichton, usou inventividade e tecnologia para trazer os dinossauros de volta à vida em uma aventura emocionante, surpreendente e fantástica. Ah, e que rendeu uma paulada de dinheiro, um dos maiores fenômenos de bilheteria do cinema moderno. Isso traz um ônus, claro, em que um filme se torna uma série, e a surpresa causada pelo original vai aos poucos sendo diluída em novos capítulos que tentam, nem sempre com sucesso, recapturar o raio na garrafa. A boa notícia é que Jurassic World: Reino Ameaçado, quinto filme da série, consegue recuperar um pouco da mistura de ação e suspense que o original colocou em cena com tanto brilho. A não tão boa é constatar que colocar dinossauros realistas no cinema já não provoca mais nenhum brilho no olhar do público.

Sem o elemento surpresa, portanto, o diretor espanhol Juan Bayona tinha uma tarefa complicada quando assumiu a série, relançada três anos atrás com o divertido e juvenil Jurassic World, em que Colin Trevorrow transformou a promessa de um parque temático povoado por dinossauros em realidade, só para ver tudo dar errado com uma mãozinha da boa e velha ganância. Trevorrow, claro, não tem um décimo do talento de Bayona como realizador, e o novo filme compensa a falta de originalidade de sua premissa com uma direção sólida e momentos de tensão genuína, além de uma reviravolta já no terceiro ato que abre espaço para um caminho verdadeiramente novo dentro da série. Enquanto isso, os dinossauros digitais fazem o máximo para apoiar o arco narrativo dos protagonistas da aventura, mais uma vez o casal Chris Pratt e Bryce Dallas Howard.

Reino Ameaçado flerta com o terror

Reino Ameaçado tem a seu favor um subtexto firme, ancorado em um problema real: como proteger espécies ameaçadas quando governos cruzam os braços e as grandes corporações apenas fingem se importar quando, na verdade, procuram maneiras de ganhar ainda mais dinheiro? A trama começa alguns anos depois do fim de Jurassic World, quando os dinossauros atacaram mais de vinte mil visitantes no parque e foram finalmente deixados para reinar sozinhos na Ilha Nublar. Agora um vulcão no centro do lugar pode explodir a qualquer momento, causando uma segunda extinção dos dinos recriados graças ao milagre da engenharia genética. A questão é simples: deixar que a mão divina corrija nossa interferência na natureza e dê cabo dos bichos (como sugere o cientista Ian Malcolm, uma ponta elegante de Jeff Goldblum), ou arriscar uma operação de resgate e não deixar as feras à mercê do fogo purificador? Agora ativista, Claire Dearing (Bryce Howard) encabeça os esforços de resgate, o que ela consegue quando um triliardário lhe oferece recursos e um santuário para os animais.

Todo o primeiro ato de Reino Ameaçado, além de trazer o melhor do filme, também aposta num retcon esperto, reescrevendo parte da história já contada da série. O patrocinador da empreitada é Benjamin Lockwood (James Cromwell), que descobrimos ser parceiro do visionário John Hammond e co-criador da ideia do Jurassic Park original. Lockwood jamais é citado nos filmes anteriores, e o roteiro de Trevorrow e Derek Connolly espertamente cria uma motivação para os dois ricaços terem se distanciado anos atrás, pouco antes dos eventos que testemunhamos no filme de 1993. Dinheiro no bolso, Claire precisa convencer Owen Grady (Chris Pratt) a voltar com ela e ajudar no resgate, principalmente por ele ser o único capaz de localizar a velociraptor Blue, que aqui ganha personalidade e arco dramático próprio. Esse retorno à Ilha Nublar, que aos poucos torna-se um inferno de lava, ocupa o primeiro ato de Reino Ameaçado e, mesmo com o xerox desavergonhado de cenas inteiras do filme original de Spielberg, é conduzido com habilidade por Bayona. É também quando o verdadeiro rumo do roteiro é revelado, causando uma guinada na ação.

O diretor Juan Bayona trabalha com um de seus astros

Sem entrar em detalhes, a ganância é mais uma vez a vilã em Reino Ameaçado, representada por um engravatado que planeja usar os dinos para fins altamente lucrativos: a "missão de resgate" esconde, na verdade, um leilão dos animais para bilionários de todo o mundo (caçadores, cientistas mal intencionados, gângsters russos). Mais ainda, o geneticista Henry Wu (B.D. Wong) continua misturando o DNA de diferentes dinossauros, desta vez para criar um predador desenhado não para entreter a plateia de um parque temático, e sim para ser usado como arma para quem tiver a maior oferta. A ação é transferida da ilha para a mansão gigantesca de Lockwood, mantendo o clima claustrofóbico mas sacrificando o escopo do filme. Bayona, que tem no currículo os excepcionais O Orfanato, O Impossível e Sete Minutos Depois da Meia-Noite, injeta em cada sequência tanta classe e personalidade que é fácil deixar de lado a sensação que já vimos este filme antes e embarcar na viagem.

O melhor de Jurassic World: Reino Ameaçado, porém, é o legado que ele arrisca em sua conclusão. Houve uma época, depois que a série perdeu o fôlego com o trôpego Jurassic Park III (que Joe Johnston dirigiu em 2001), que diversos roteiristas jogaram as ideias mais bizarras em roteiros que nunca saíram da gaveta. Eram histórias de dinossauros inteligentes carregado armamento pesado em guerras, híbridos que podiam até falar em missões no espaço, nada era sagrado. Por mais absurdos que alguns desses conceitos pudessem ser, talvez eles injetassem uma dose maciça de originalidade à marca – em vez do óbvio retorno à ilha promovido por Colin Trevorrow três anos atrás. Reino Ameaçado pode não ir tão longe, mas entrega soluções que apontam, pela primeira vez desde que um T-Rex gloriosamente liberou sua fúria em Jurassic Park, uma promessa que a próxima aventura com os dinossauros de Spielberg no cinema possa ser realmente especial. Trevorrow, infelizmente, será o diretor da conclusão dessa segunda trilogia iniciada com Jurassic World. O recado, porém, é claro: evolua ou contente-se com a extinção.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.