Qual o futuro de James Gunn e de Guardiões da Galáxia
O Demolidor, com Sylvester Stallone e Wesley Snipes, chegou aos cinemas 25 anos atrás. É uma ficção científica genérica, bem a cara de seu tempo, que serviu para apresentar Sandra Bullock ao mundo. Num futuro distópico, depois de um terremoto que destruiu a Califórnia, a sociedade foi reerguida em uma verdadeira ditadura politicamente correta, em que falar palavrões rende multas pesadas, a arte deixou o inconformismo e a transgressão de lado para ser feita por jingles fofinhos e infantis, e a violência é tão jurássica que, quando ameaçados por um psicopata, o governo tira um policial casca grossa de um sono criogenicamente induzido. É uma grande bobagem. Que aos poucos ganha contornos reais.
O caso em questão é a demissão do diretor James Gunn, dispensado pela Disney depois que tuítes publicados dez anos atrás ressurgiram para lhe morder o traseiro. O conteúdo é absurdo, com comentários de gosto duvidoso sobre pedofilia e estupro. O dinheiro não perdoa, e antes que o levante progressista enterre a Casa do Mickey com sua indignação, o estúdio achou por bem dispensar os serviços de Gunn, que se preparava para dirigir Guardiões da Galáxia Vol. 3. A Disney, obviamente, não está errada, e justificou o bilhete azul com um "As declarações ofensivas descobertas no Twitter de James Gunn são indefensáveis e inconsistentes com nossos valores". Não tem mesmo como defender comentários sobre macacos ejaculando em pré-adolescentes ou árvores vivas fazendo sexo oral em garotinhos. Mas tudo, obviamente, não sustenta uma interpretação literal. E fica claro também que foi uma reação conservadora, já que foram cavadas por um site conservador, o The Daily Caller, que busca qualquer fresta na "Hollywood liberal" para pulverizar críticos ao governo Donald Trump – de quem James Gunn é opositor ferrenho.
Antes de mergulhar no cinema mainstream, James Gunn era um provocador, um autor que escrevia filmes trash como Tromeu & Julieta e Terror Firmer (pode procurar os dois, são legais!) antes de emprestar seu lápis para Scooby-Doo, Madrugada dos Mortos e Seres Rastejantes (que ele também dirigiu). "Quando comecei minha carreira eu me enxergava como um provocador, fazendo filmes e contando piadas que eram ultrajantes", comentou. "Mas já tive essa discussão em público várias vezes, sobre como eu cresci e amadureci como pessoa e profissional." Ele arrematou: "Não digo que sou uma pessoa melhor, mas sou alguém diferente do que era anos atrás, tentando trabalhar mais numa mentalidade de amor e conexão e com menos raiva". Não é o bastante para uma percepção pública – seja progressista, seja conservadora – cada vez mais furiosa.
Porque, lendo os tuítes, é óbvio que existe uma vontade de chocar, principalmente em vista de seu trabalho como artista, e não em aplaudir ou incentivar comportamentos imorais e criminosos. É um assunto extremamente delicado. A internet não esquece, e tivemos exemplos bem claros recentemente no Brasil, com humoristas e atores globais acusados de racismo, com suas redes sociais dissecadas até a época da invenção do fogo. Não precisa ser gênio para ver que cada um desses casos é absurdamente diferente, e generalizar as palavras é um primeiro passo para censurá-las. O que pode parecer um absurdo para alguém mais sensível não passa de piada ruim para outras pessoas. Tudo é contexto. E eu digo que o assunto é delicado porque promover essa discussão usando bom senso também traz à superfície o pior tipo de ser humano, aquele troll ultraconservador e, ao mesmo tempo, mega machista/racista/homofóbico que acha que direitos de minorias são uma grande besteira e que se chatear por conteúdos ofensivos é puro mimimi. O futuro de O Demolidor, pra esses tipos, seria o mundo perfeito.
James Gunn assumiu total responsabilidade por suas palavras, desculpou-se pelos tuítes e entendeu a posição da Disney do ponto de vista profissional. Para ele, o cinema mainstream fechou as portas – o caminho deve ser uma volta à produção independente. O que nos deixa com um ponto de interrogação no futuro de Guardiões da Galáxia. Os dois filmes faturaram juntos mais de 1.6 bilhões de dólares, e a Marvel viu no cineasta o arquiteto de seu universo cósmico, que deve surgir após o lançamento do quarto Vingadores ano que vem. Como as engrenagens não param de girar, o estúdio precisa agora encontrar um substituto para a cadeira de diretor. Não será fácil, já que seu DNA é parte do sucesso da série, do senso de humor à construção narrativa apoiada na trilha sonora. Se a plateia sabe o que esperar de Guardiões da Galáxia no cinema, a Disney não pode se afastar da fórmula. O estúdio não revelou se vai manter o roteiro do terceiro filme, também escrito por Gunn: mesmo reescrito, ele seria creditado pela ideia original. Daí depende do grau de associação que a Marvel está disposta a ter com o artista.
O único nome que vem em mente agora, com credenciais para navegar por um universo pop com personagens tão gigantes, seria o de Edgard Wright. Mas sua relação com a Marvel não é das melhores, já que o criador de Todo Mundo Quase Morto, Scott Pilgrim Contra o Mundo e Baby Driver trabalhou anos a fio em Homem-Formiga antes de ver sua visão colidir com os planos da Marvel para expandir seu universo – ele terminou substituído por Peyton Reed, que manteve a ideia original de Wright mas jogou o jogo da Marvel. O aparente grande revés do estúdio a essa altura – não ter mais as ideias de Gunn, que deixam claro como executar um Guardiões da Galáxia – pode ser também sua grande vantagem, já que o cineasta que assumir o barco, se concordar com o "manual" do estúdio, tem metade de seu trabalho pronto. Diretores como Jon Watts (Homem-Aranha: De Volta ao Lar) e Taika Waititi (Thor Ragnarok), surgidos do cinema independente, entenderam a proposta do Universo Cinematográfico e conseguiram criar mesmo com o gesso colocado pelo estúdio. A essa altura, não existe nenhum nome na roda. Será que alguém tem o telefone do Marco Brambilla, diretor de O Demolidor?
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