Como versões live action de clássicos animados viraram prioridade na Disney
Christopher Robin – Um Reencontro Inesquecível é um filme muito bonito. É também melancólico até a medula. Não poderia ser diferente. Existe uma certa doçura na simplicidade da história, que continua as aventuras do Ursinho Pooh e sua turma. É um desvio radical da tendência a um leve realismo sombrio que muitas fábulas, ao ser recontadas, insistem em abraçar. Não há nada sombrio, portanto, em Christopher Robin, que surge como o filme certo na hora certa. Uma lembrança de que, em tempos estranhos no mundo real, a arte pode ser um remédio poderoso para mostrar que a solução das complexidades da vida estão nos pensamentos mais simples. O trabalho de Marc Forster pode não trazer nada de novo. Mas é reconfortante em sua aparente falta de ambição.
O movimento por trás dele, por outro lado, é a própria definição de ambição. Christopher Robin é mais um de uma longa lista de produções que traduz desenhos animados clássicos em um ambiente live action. É uma fórmula que a Disney pode ter demorado para descobrir, mas que agora parece ser a nova fundação sobre a qual o estúdio planeja sua expansão. Se um dia o estúdio do Mickey foi espaço para artistas desenvolverem ideias originais, seu futuro parece baseado em variações de uma mesma fórmula, com mais adaptações com atores de verdade para sua extensa cinemateca de animações, continuações de aventuras de personagens consagrados e adaptações de sucessos literários e de atrações de seus parques temáticos. Não significa, de forma alguma, que a criatividade morreu. O que essa tendência aponta é simplesmente um ajuste no rumo do estúdio como negócio.
Até porque a Disney nunca se retraiu ao contar histórias mais maduras – só maquiou seu nome para isso. A Touchstone, criada nos anos 80, foi uma divisão que tratou justamente de abraçar projetos que fugiam da "diversão para toda a família" que se tornou sinônimo com a Disney. Um Vagabundo na Alta Roda, de 1986, foi seu primeiro filme "proibido para menores", seguido por uma coleção de títulos ecléticos como Por Favor, Matem Minha Mulher!, Bom Dia Vietnã, Uma Linda Mulher e Armageddon. No começo dos anos 90, a Disney criou um segundo selo para distribuir filmes que fugiam de seu público-alvo, e a já extinta Hollywood Pictures colocou nos cinemas aventuras como Aracnofobia, Quiz Show, O Juiz, Matador em Conflito e, conseguindo seu maior êxito, O Sexto Sentido.
Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra mudou tudo em 2003, quando revitalizou a carreira de Johnny Depp, deu ao mundo um novo personagem icônico com o capitão Jack Sparrow e tornou-se um fenômeno bilionário que, até o momento, já rendeu cinco filmes – tudo com o selo Walt Disney Pictures. Foi quando o estúdio passou a reenergizar sua própria marca, com a Touchstone servindo como distribuidor dos filmes dentro de um acordo com a DreamWorks de Steven Spielberg. Algo me diz que a recente compra da Fox pela Disney, que agora passa pela burocracia para ser finalizada, vai servir para o estúdio ter espaço para escoar filmes adultos e independentes, produções mais modestas que podem conferir prestígio, mas que nem sempre se traduzem como grandes bilheterias.
Enquanto isso, a Disney concentra-se no que faz melhor: animações e suas versões live action. 101 Dálmatas, de 1996, pode ser considerado marco zero moderno desse "universo", quando provou que havia público para novas versões de velhos conhecidos. O filme, com Glenn Close devorando com gosto o papel da vilã Cruella De Vil, bateu em 320 milhões de dólares nas bilheterias mundiais, e gerou uma continuação em 2000. Embora George, O Rei da Floresta, Mr. Magoo e Inspetor Bugiganga, lançados ainda nos anos 90, fossem adaptações de desenhos animados, a máquina para transformar clássicos da animação em filmes milionários só ganhou tração em 2010, quando Tim Burton dirigiu sua visão para Alice no País das Maravilhas, com Johnny Depp no auge de sua fase "astro de Hollywood". Não só a tecnologia havia alcançado a imaginação dos animadores do estúdio, mas o 3D vivia um renascimento graças a Avatar, combinação que resultou em uma fábula moderna que rendeu 1 bilhão de dólares.
A "fórmula", então, tornou-se prioridade absoluta na Disney. Os novos projetos seguiram dois caminhos: ou fazer uma adaptação quase literal de sua fonte, ou usar o desenho original como ponto de partida para uma nova história. Malévola (2014, 759 milhões de dólares em caixa) recontou A Bela Adormecida do ponto de vista de sua vilã, agora transformada em heroína injustiçada nas mãos de Angelina Jolie. Cinderela (2015, 543 milhões de dólares), de Kenneth Branagh, foi praticamente uma cópia do desenho animado de 1950, o que não deixa de ser um elogio. Mogli: O Menino-Lobo (2016, 966 milhões de dólares) é um colosso tecnológico, com o diretor Jon Favreau ampliando a tecnologia ultra realista de Avatar para dar vida a animais e a uma selva de encher os olhos, palco da história de Rudyard Kipling. A Bela e a Fera (2017, 1.26 bilhão de dólares) tornou-se um fenômeno que extrapolou a beleza do desenho animado que concorreu ao Oscar de melhor filme em 1992.
É curioso observar como a Disney pega clássicos da literatura e assume sua propriedade. Existem outras adaptações em carne e osso de Mogli e A Bela e a Fera, por exemplo. Mas o trabalho do estúdio é tão poderoso que é impossível afastar a sensação que suas versões são as definitivas. No caso de Christopher Robin, isso é fato, já que os direitos do livro de A.A. Milne, morto em 1956, foram vendidos para a Disney em 1960 em troca de royalties pagos duas vezes por ano – esse contrato foi substituído por outro em 2001, em que o estúdio garantiu o uso dos personagens por 350 milhões de dólares. Foi assim que a Disney passou a explorar seu universo em uma dúzia de filmes animados para o cinema e para a TV, sendo o mais recente batizado, obviamente, O Ursinho Pooh em 2011. Christopher Robin coloca Ewan McGregor como o personagem-título, que após uma infância de aventuras com Pooh e sua turma no Bosque dos Cem Acres, volta para o "mundo real" em definitivo antes de entrar num internato. Ele cresce, luta durante a Segunda Guerra Mundial, casa-se, tem uma filha e um emprego que toma sua vida. Num momento decisivo, Pooh o reencontra e Robin lembra-se, aos poucos, das coisas que realmente importam na vida. É muito fofo.
As próximas adaptações em live action da Disney para seus desenhos clássicos agora tomam tanta parte do estúdio quanto os filmes da Marvel ou da LucasFilm. Ano que vem Tim Burton sai na frente com Dumbo, com Michael Keaton, Colin Farrell, Eva Green e Danny DeVito, que promete lágrimas já em seu trailer. Aladdin vem em seguida, com Guy Ritchie comandando a aventura numa Arábia de fantasia com Will Smith tentando sair da sombra de Robin Williams como o Gênio da Lâmpada. O Rei Leão, de Jon Favreau, usa a mesma tecnologia de Mogli, então seria mais foto realista do que live action – mas já dá pra arrepiar só em imaginar como ficou a sequência de abertura do filme, exibida este ano para exibidores durante a CinemaCon. E Mulan, que começou a ser rodada há poucas semanas, chega aos cinemas em 2020. Eu continuo esperando uma nova versão para Song of the South. Mas melhor escolher uma cadeira confortável…
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