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Caça-níqueis assumido, A Freira abandona o medo para abraçar a paródia

Roberto Sadovski

06/09/2018 14h34

Quando A Freira foi anunciado, na esteira de Invocação do Mal 2, era fácil adivinhar que o filme, ambientado no universo de terror criado por James Wan, seria um caça-níqueis bem desavergonhado. Afinal, o que pensar de um projeto desenvolvido em torno de uma única cena no próprio Invocação 2, em torno de uma figura que, no fim, era apenas parte do cenário? Não que exista algum problema em estender uma propriedade intelectual em produtos paralelos – O Legado Bourne e Creed, por exemplo, são adições decentes para a "mitologia" de suas séries originais. Mas o filme dirigido por Corin Hardy, responsável pelo fraquinho A Maldição da Floresta, é exatamente o que parece ser: um caça-níqueis desavergonhado. Falta um texto coerente, faltam personagens carismáticos, falta uma ameaça que cause calafrios. Faltam sustos. Porque A Freira, definitivamente, não é um filme de terror.

A trama tenta dar um passado à aparição que assombra a personagem de Vera Farmiga em Invocação 2 em uma cena tensa em sua própria casa: uma freira que surge de uma pintura macabra, informando a médium Lorraine Warren sobre o destino fatal que aguarda seu marido, Ed (Patrick Wilson). Com o sucesso de seu universo, que já conta com dois Annabelle, James Wan misturou alguns relatos pra própria Lorraine com sua pesquisa sobre demônios e espíritos do mal para tentar dar algum vulto ao que não passava de mais um gatilho para sustos rápidos. Para A Freira, ele voltou no tempo, na Romênia do pós-Segunda Guerra, em um convento que guardava um segredo protegido pelas freiras do lugar. O mal permeando o lugar custa a vida de uma das devotas, e quando seu corpo é encontrado por um aldeão, o Vaticano envia um padre especializado em caçar demônios (Demián Bichir) e uma noviça que fora assombrada por visões em sua juventude (Taissa Farmiga, irmã de Vera, mas sem conexão com sua personagem).

Taissa Farmiga mostra o caminho

Se a ambientação favorecia um terror com inspiração do estilo dos estúdios Hammer, que trouxe um senso de pavor e desolação ao gênero na Europa a partir dos anos 50, a execução mira em outro alvo. James Wan é um mestre moderno em construir climas soturnos e ancorar suas tramas fantásticas a um realismo incômodo. Corin Hardy, por outro lado, mira em outro tom. A Freira se posiciona em algum lugar entre os mortos-vivos demoníacos de Uma Noite Alucinante, de Sam Raimi, e o clima pastelão de A Múmia, com Brendan Fraser. A atmosfera carregada de tensão de Invocação do Mal e até de Annabelle abre espaço para uma história que parece acontecer no castelo assombrado das Noites de Terror do finado Playcenter. O elenco não ajuda. O trio de protagonistas parece fazer parte de uma paródia, não de um terror – e eu digo "trio" porque, além de Bichir e Taissa, o tal aldeão que descobre o cadáver que dispara a trama entra em cena como um herói de ação. O papel cabe a Jonas Bloquet, tão semelhante a Brendan Fraser contra Imhotep que não abre mão nem dos suspensórios, nem da espingarda, nem dos bordões engraçadinhos.

Assim como A Múmia, a trama converge para um macguffin, um objeto sagrado capaz de enviar o demônio assombrando o convento de volta para as profundezas – no caso, um artefato do tempo das cruzadas que contém o sangue de Cristo. Mas não espere uma execução em grande escala: tudo se resolve entre as paredes do lugar, com direito a fantasmas condenados, freiras zumbis que atacam como se fossem feras descontroladas em busca de miolos, uma aldeia na Romênia em que todos falam inglês e parecem estar constantemente segurando as risadas, e até um cemitério sempre envolvo em neblina – acredite, ninguém economizou em neblina aqui. Se a ideia era fazer de A Freira um comentário sobre como o cinema de terror pode descambar para a pastelaria quando o intuito é ganhar uns trocados, o projeto então é um sucesso. É um filme baratinho (22 milhões de dólares), deve ter retorno fácil e vai gerar uma leva de outros produtos licenciados.

Demián Bichir em Os Trapalhões Contra o Capeta

Quem sai ganhando, além do estúdio que com certeza vai faturar uma nota, é a atriz Bonnie Aarons. É ela quem dá vida à freira demoníaca, e viu seu status de coadjuvante em Invocação do Mal 2 ser elevado à protagonista (bom, quase isso) em A Freira. E ela o faz sem ter de decorar uma única linha de diálogo. Basta se mover lentamente e dar alguma expressão às camadas de maquiagem que cobrem seu rosto. É um visual bacana, mas que perde seu impacto como ícone de terror moderno nesse contexto. Se antes a freira surgia num jogo de sombras e construção de clima, aqui ela assume uma mistura de Marilyn Manson com Darth Vader, ora projetando seus adversários para o alto, ora erguendo-os pelo pescoço como o Lorde Sith. Não vai ganhar espaço ao lado de seus supostos pares, como Jason Voorhees, Michael Meyers, Pennywise ou Freddy Krueger. Mas vai render um bonequinho Funko Pop legal.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.