O Predador é violento e divertido, mas que falta Schwarzenegger faz!
O Predador tem tudo que uma boa ficção científica trash precisa. A trama não faz muito sentido. A violência é abundante e sempre de mentirinha. Os personagens interagem em diálogos espertos e nem um pouco realistas. O herói é meio canalha, o vilão é unidimensional. O humor vem na medida certa para arrancar risos nervosos nos momentos de tensão. Tem bastante tiro, bastante explosão, bastante pseudociência. E traz um monstrão alienígena icônico, umas das grandes criações do cinema moderno. Mas o filme de Shane Black (Homem de Ferro 3) não consegue chegar à perfeição cirúrgica do original, que John McTiernan dirigiu em 1987, por um detalhe importantíssimo: Boyd Holbrook não é Arnold Schwarzenegger.
Esse é o maior erro de Hollywood ao tentar repetidamente revigorar algumas propriedades intelectuais: amar o monstro, esquecer a conexão humana. O sucesso de Predador, mais de três décadas atrás, não aconteceu por conta do design da criatura ou dos efeitos especiais então revolucionários. Foi o carisma de Schwarzenegger, encontrando um inimigo fisicamente a altura, que impulsionou a trama. Tanto que o estúdio tentou emplacar continuações sem Schwarza, nunca com bons resultados, fosse em Predador 2 (de 1990, com Danny Glover), fosse em Predadores (de 2010, com Adrien Brody), fosse em dois Alien vs. Predador (de 2004 e 2007, com aquele povo lá). É a mesma coisa em Alien, que patina desde que perdeu Sigourney Weaver como âncora. E é um desafio ressuscitar e reinventar monstros assim quando perdemos o herói que nos guia pela jornada.
Shane Black, que escreveu o novo filme com Fred Dekker, ao menos tem uma ideia bacana para justificar sua tentativa. E sua visão como diretor é perfeita para um filme assim: mergulhar toda a atmosfera num tom semelhante não só ao do original, como também espelhando o cinema de toda uma década. Black tem moral porque estava lá em primeiro lugar. No mesmo ano que Predador chegou aos cinemas, ele estreou como roteirista com Máquina Mortífera. Aos 26 anos, Black tornou-se milionário e seguiu escrevendo alguns filmes de ação que definiram o final dos anos 80, como O Último Boy Scout, O Último Grande Herói e Despertar de Um Pesadelo. Quando o produtor Joel Silver o chamou para dar um tapa no roteiro original dos irmãos Jim e John Thomas, Black estava sobrecarregado, mas topou trabalhar no filme como ator: ele é Hawkins, parte da unidade de elite comandada por Schwarzenegger, que logo roda nas mãos do ET anabolizado.
Trazer Fred Dekker para o projeto foi a cereja no bolo oitentista preparado por Black. Amigos desde a faculdade, a dupla sempre colaborou nos projetos um do outro. Shane fez uma ponta em A Noite dos Arrepios, dirigido pelo colega, e escreveu com ele outra pérola dos anos 80, a aventura juvenil Deu a Louca nos Monstros, também de 1987. O texto de O Predador, portanto, traz o mesmo charme da época, agora salpicado com um certo cinismo que só o tempo e a experiência conseguem injetar. Em vez de querer se levar a sério como Alien vs. Predador ou mesmo Predadores, eles escreveram o mesmo filme de monstro espacial que teriam feito décadas atrás, com o mesmo diálogo inspirado e as mesmas sacadas pop que pontuam seus outros filmes. O texto só não é 100 por cento excelente porque a interferência dos executivos é clara, principalmente quando o terceiro ato parece engolir até cenas inteiras para acelerar a ação.
O Predador parte do princípio que a ação dos dois primeiros filmes foi documentada e acompanhada de perto pelo governo americano – ou ao menos por alguma agência obscura de alta patente, batizada aqui Projeto Stargazer. Eles acompanham a queda da espaçonave de um predador na região do México, o que é visto de perto por um atirador de elite trabalhando para derrubar algum cartel local. Quinn McKeena (Boyd Holbrook) sobrevive ao ataque do caçador e leva seu capacete e uma de suas manoplas, enviando tudo para os EUA como evidência – peças que terminam acidentalmente nas mãos de seu filho, Rory (Jacob Tremblay). O predador, sedado, fica sob custódia do Stargazer, chefiado pelo obviamente malvado Traeger (Sterling K. Brown) e examinado pela cientista Casey Braket (Olivia Munn). A coisa complica quando outro predador chega à Terra, justamente para destruir o primeiro caçador, aparentemente um rebelde, e recuperar um objeto que ele trouxera à Terra. McKeena, juntamente com um grupo de soldados presos pelo governo, precisa encontrar o tal artefato, salvar Rory e, principalmente, não morrer nas mãos do bicho.
A partir daí, O Predador é exatamente o filme que ele precisa ser para um reboot eficiente da série. É acelerado e divertido, é violento e sem o menor pudor em ser trash – quando um cachorro-predador é "domesticado", não tem como levar a coisa a ferro e fogo. O uso do tema original de Alan Silvestri, e a ambientação numa floresta (um "bosque", mas tá valendo) completam a sensação de viajar no tempo. Mesmo que Black pareça mesmo perder o controle do circo em seu terceiro ato – a geografia da narrativa não funciona, alguns personagens somem sem maiores explicações -, o elenco afiadíssimo segura o show ao entregar diálogos deliciosos ("É como se Whoopi Goldberg fosse um ET", explica um soldado sobre a natureza do predador) e ao devorar o cenário com performances propositalmente exageradas (Thomas Jane leva o prêmio como um ex-combatente que sofre de síndrome de tourette). Mas é impossível, quando o filme termina com um gancho sem vergonha para que a série continue, não imaginar como a coisa seria com um protagonista de maior gravidade. Mais de três décadas (e quatro filmes) depois, o caçador que veio do espaço ainda não encontrou nenhum adversário à altura de Arnold Schwarzenegger.
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