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Cinema, TV, streaming: Será que os super-heróis chegaram a seu limite?

Roberto Sadovski

20/09/2018 05h48

Imagine a molecada devorando gibis nos anos 80 e 90. Para sua dose saudável de super-heróis, o único caminho era investir a grana da merenda em HQs mensais. Outras mídias? Ah, era uma celebração, e muito casual. Do Superman de 1978 ao Batman de 1989, poucos foram os eventos pop relacionados aos heróis dos quadrinhos. Tudo entrava embaixo do microscópio, das várias encarnações dos Super-Amigos às séries live action do Hulk e do Homem-Aranha. Dos desenhos "desanimados" da Marvel aos X-Men e Batman: The Animated Series nos anos 90. Era um outro mundo – e nem digo melhor ou pior, só era diferente. Hoje, super-heróis deixaram seu nicho e dominaram o mainstream com força, no cinema, na TV, em plataformas de streaming, em games. Não dá pra jogar uma pedra sem acertar na cabeça de Peter Parker. Ainda é cedo para falar em fadiga. Mas o fato é que fãs precisam de meia dúzia de vidas a mais só para se manter atualizados com a avalanche de lançamentos, anunciados mais rápido do que eu consigo escrever esse texto.

O gatilho pra tudo isso foi o anúncio de novas séries da Marvel para o serviço de streaming da Disney, o Disney Play, que será revelado ao mundo ano que vem. A Variety deu a exclusiva que, entre a tonelada de conteúdo no forno do gigante de mídia, o plano é desenvolver duas novas séries, uma centrada em Loki, outra na Feiticeira Escarlate. Para jogar tempero na coisa, a ideia seria trazer de volta Tom Hiddleston como o Deus da Trapaça (visto pela última vez empacotando nas mãos de Thanos em Vingadores: Guerra Infinita) e Elizabeth Olsen no papel da heroína (que, até onde sabemos, foi riscada do universo quando o titã louco estalou os dedos). O desenvolvimento das séries estaria nas mãos do produtor e presidente da Marvel, Kevin Feige. E é uma ideia excelente! Loki é um personagem extremamente complexo, indo além do estigma de vilão, e centrar uma série em sua figura dúbia seria uma bela aposta. Já a Feiticeira Escarlate cresceu desde que foi apresentada em Vingadores: Era de Ultron e é a heroína trágica clássica. A Disney e a Marvel, claro, não comentaram.

O Robin furioso de Titans

Mas é interessante observar o posicionamento não só da Disney, como de toda a indústria, nesse momento em que as opções de entretenimento ampliam-se exponencialmente. O que não é novidade é ver super-heróis no centro de tudo. No cenário da cultura pop atual, os personagens dos gibis se posicionaram como um ótimo negócio, já que sua origem traz, no caso da Marvel, mais de cinco décadas de histórias para ser adaptadas, traduzidas e transmutadas. O MCU foi um começo, e seus tentáculos expandiram-se na TV aberta (Agentes da S.H.I.E.L.D., a espetacular e já cancelada Agente Carter), no Netflix (já são cinco séries consolidadas, de Demolidor a Justiceiro, passando por Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro), além de Legion (da FX), The Gifted (Fox), Runaways (Hulu) e Manto & Adaga (Freeform) – as duas últimas, espelhando os shows do Netflix, como parte do Universo Cinematográfico Marvel. Mal tive tempo de fechar esse texto e o Deadline cravou que Allan Heinberg, roteirista de Mulher-Maravilha, vai desenvolver, com a Marvel Television e com a rede ABC, uma série centrada em um grupo de super-heroínas menos conhecidas da Marvel – podem começar a especular suas favoritas.

A concorrência, claro, move-se com a mesma velocidade. Os planos da DC em construir seu universo no cinema caminham em banho-maria. Na TV, porém, tudo vai muito bem, obrigado. A editora conseguiu construir um universo coeso e empolgante na rede CW, com Arrow, The Flash, Supergirl e Legends of Tomorrow dividindo a mesma atmosfera. No crossover programado para o fim deste ano, o Arrowverse ganhará a adição da Batwoman (que deve ganhar série própria), além de Nora Fries (mulher do vilão Sr. Frio), Lois Lane e a volta do Superman, uma caracterização perfeita pelo ator Tyler Hoechlin. O crossover também apresentará Gotham City a esse universo compartilhado, o que não terá nenhuma relação com Gotham (Fox), que prepara-se para sua quinta e última temporada. Black Lightning e Krypton completam o cardápio atual da DC na TV.

Demolidor logo estreia sua terceira temporada no Netflix

Que está prestes a expandir-se de maneira explosiva em outubro, com o lançamento do serviço de streaming da editora, batizado DC Universe. Titans é o primeiro a sair da gaveta, com Robin (Brenton Thwaites) liderando sua equipe de super-heróis buscando seu lugar no mundo. A série ganhou as manchetes com seu primeiro trailer, exibido durante a San Diego Comic-Con, em que um Menino-Prodígio sorumbático e violento arrebenta meia dúzia de marginais e dispara um "Fo#@-se o Batman!", cravando o rompimento com seu mentor – e deixando claro que não há espaço para o Homem-Morcego aqui. Com doze episódios, Titans abre espaço para mais DC no streaming ano que vem, com Patrulha do Destino sendo o primeiro. Bizarramente, a série traz o herói Cyborg, mas numa encarnação diferente do que vimos no cinema em Liga da Justiça (ainda bem, não?). O elenco é estelar: Brendan Fraser (o Homem-Robô), Alan Tudyk (Sr. Ninguém) e Timothy Dalton (Niles Cauder, líder da coisa toda). Enquanto isso, James Wan produz e Len Wiseman dirige o piloto de Monstro do Pântano, e a heroína teen Stargirl também está na fila.

Como se não bastasse, a HBO está produzindo Watchmen, baseada na série clássica de Alan Moore e Dave Gibbons (e não no filme de Zack Snyder), que já deixou alguns fãs mais ranhetas afetados. Mas a ideia é sólida, e o produtor Damon Lindelof tem um currículo bacana que inclui Lost, o reboot de Star Trek, Guerra Mundial Z e The LeftoversWatchmen, por sinal, faz uma boa ponte com as séries com origem em quadrinhos da DC, mas que fogem do padrão de super-heróis, como iZombie (que vai entrar em sua última temporada no CW), Lucifer (cancelada pela Fox, salta pelo Netflix) e Preacher (três temporadas na AMC). Em desenvolvimento ou já saindo da gaveta estão Y – The Last Man (FX), The Boys (sobre um grupo de operações especiais que monitora os super-heróis na Terra, que vai sair pela Amazon), além de Astro City e V de Vingança.

O Homem-Robô no set de Patrulha do Destino

Isso é só parte da evidência que super-heróis, hoje, mandam na cultura pop. Todo o panorama de entretenimento é, de certa forma, definido pelas regras estabelecidas por artistas que trabalham com personagens superpoderosos saídos dos quadrinhos. E olha que nem entrei no mérito do cinema (três filmes da Marvel por ano, a DC reestruturando seu jogo na tela grande, propriedades intelectuais de outras editoras, como Spawn e Bloodshot, entrando no jogo com fúria) ou dos games (nada foi mais comentado, analisado e aplaudido no atual zeitgeist que o jogo Spider-Man para o PS4. O fã nostálgico de quadrinhos pode até olhar para trás, observar o presente, antever o futuro e achar que é demais, que "seus" super-heróis logo vão perecer em tantas mídias pela superexposição, e voltar a ser apreciados pelo nicho de sempre que consome os gibis. Claro, não vai acontecer. Esse tipo de fã é minoria absoluta, e vai conviver com entusiastas apaixonadíssimos pelos mesmos personagens que jamais em sua vida abriram uma HQ. É um mundo estranho. E muito bacana.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.