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Emocionalmente distante, Ryan Gosling conquista a Lua em O Primeiro Homem

Roberto Sadovski

18/10/2018 05h35

A chegada do primeiro homem à Lua é uma das histórias mais conhecidas e mais celebradas do mundo moderno. Não é pouco, portanto, o tamanho da façanha alcançada pelo diretor Damien Chazelle. Em O Primeiro Homem, que estreia nesta quinta-feira (18), o responsável por Whiplash e La La Land consegue o impossível: injetar tensão, drama e suspense a uma história que não só sabemos como termina, mas temos as palavras que marcaram sua realização gravadas em nosso inconsciente coletivo. Esse triunfo vem de sua escolha narrativa inesperada. Em vez de retratar a jornada até o voo à Lua de maneira grandiosa e ufanista, como nos fundamentais Os Eleitos (1983) e Apollo 13 (1995), Chazelle concentrou-se na história do homem que entrou para a história ao comandar a missão Apollo 11: Neil Armstrong.

A Neil não era um sujeito fácil. Homem de família, de emoções contidas, ele era o total oposto do estereótipo do "astronauta heroico" que o cinema imortalizou em dúzias e dúzias de obras de ficção. Voar para a Lua não era seu grande objetivo de vida, mas terminou como parte do trabalho que o levou, como engenheiro civil, para a NASA no começo dos anos 60. Estoico e determinado, Armstrong é retratado como alguém que nunca se deixou levar pela emoção, e encontra em Ryan Gosling seu intérprete perfeito. Repetindo a parceria de La La Land com Chazelle, Gosling mostra aqui porque é um dos intérpretes mais festejados de sua geração, com uma atuação difícil, contida e precisa, menos preocupada em reproduzir a figura imponente de Armstrong, e sim sua precisão emocional ao encarar a jornada e no preço que suas decisões têm em sua família – Claire Foy, que surge como a mulher do astronauta, Janet, prova seu imenso talento ao não ser reduzida a escada num filme que, assim como a era retratada, ainda é um clube de meninos.

Ryan Gosling interpreta Neil Armstrong em sua jornada para a Lua

Com um parceiro tão talentoso como Gosling à frente, Chazelle realizou uma pequena obra-prima ao imprimir em seu filme o mesmo tom equilibrado de seu protagonista. O Primeiro Homem pode parecer, se encarado como um produto de entretenimento hollywoodiano, como um filme frio, sem o crescendo emocional que uma conquista tão espetacular poderia sugerir. A maior realização do diretor, entretanto, é manter sua narrativa emparelhada com a progressão emocional de Armstrong, um homem ao mesmo tempo intenso e emocionalmente distante. O roteiro de Josh Singer, baseado no livro de James R. Hansen, nunca mostra o astronauta encarando sua missão como uma grande aventura, e sim como um feito que combina coragem, tecnologia (que, nos anos 60, era absurdamente precária) e total dedicação. Isso fica evidente na coletiva antes da viagem triunfante. Ante uma parede de repórteres, e com o companheiro Buzz Aldrin (Corey Stoll) entendendo seu papel como rockstar, Neil banca o sincerão quando lhe perguntam o que ele levaria contigo à Lua se pudesse escolher qualquer coisa: "Mais combustível".

Chazelle entende a risada nervosa, já que consegue, em O Primeiro Homem, mostrar a corrida espacial como resultado da completa loucura que era colocar o homem no espaço, e depois na Lua. A tecnologia simplesmente não existia, e as falhas custavam vidas humanas – a contagem de casualidades durante o desenvolvimento do Programa Apollo não é pequena. A escolha criativa do diretor deixa a experiência ainda mais sufocante. Já na primeira cena, com Armstrong testando um jato supersônico, Chazelle coloca sua câmera no cockpit, jamais usando tomadas à distância das aeronaves, ou mesmo dos foguetes. Tudo é feito como se estivéssemos por sobre os ombros dos astronautas, e O Primeiro Homem consegue, mais do que qualquer outro filme, reproduzir o perigo intrínseco às missões e a coragem absurda dos homens que se colocavam em desconfortáveis caixotes de metal, deixando-se disparar sobre uma explosão rumo ao desconhecido.

Damien Chazelle dirige a missão espacial

Por isso que O Primeiro Homem deve ser assistido na maior tela possível, com o som mais perfeito possível. É uma experiência que arranca lágrimas não de emoção, mas de tensão, de cumplicidade com o feito de homens que, quase cinco décadas depois, mostraram ao mundo o quanto somos pequenos, o quanto o universo é vasto, e o quanto é difícil vencer essa barreira. Em Os Eleitos, Philip Kaufman encarou os astronautas como caubóis desbravando uma fronteira intransponível (é uma obra-prima, corra para ver agora!). Apollo 13 transformou uma tragédia num drama ufanista sobre a vitória suprema do homem ante a maior das adversidades. O drama de Neil Armstrong e o caminho trilhado para a conquista da Lua mantêm O Primeiro Homem enraizado na história, humanizando um herói sem nunca desmerecer seu feito. Mas quando o filme sai do chão, e nos leva para aquela mesma fronteira intransponível, ele se torna pura poesia.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.