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A Garota na Teia da Aranha faz de Lisbeth Salander uma heroína genérica

Roberto Sadovski

08/11/2018 05h21

Sete anos separam a versão americana de Millennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres dessa continuação tardia, A Garota na Teia da Aranha. O tempo não foi generoso com a hacker Lisbeth Salander. Toda a complexidade da personagem, traduzida no filme assinado por David Fincher em 2011, foi diluída em uma fórmula básica de cinema de ação, eficaz e descartável. O uruguaio Fede Alvarez (A Morte do Demônio, O Homem nas Trevas) sabe compor uma narrativa bem amarrada e é eficaz em desenhar cenas aceleradas. Ao contrário de seu antecessor, porém, falta a ele habilidade para dar à nova aventura de Lisbeth o clima sufocante e a tensão sexual entre os protagonistas. Eram elementos que, nas mãos dos ausentes Daniel Craig e Rooney Mara, emolduravam uma trama perversa sobre assassinato, poder e loucura.

A culpa, sejamos honestos, não é nem de Alvarez, nem de sua nova protagonista, a excepcional Claire Foy. De cara, o novo filme salta os dois livros que fechavam a trilogia original de Stieg Larsson, morto em 2004. Em vez disso, o estúdio optou por usar a retomada da série, escrita por David Lagercrantz em 2015, um autor menos sutil e detalhista, mais interessado em construir uma trama de reviravoltas óbvias e menos focado no desenvolvimento de seus personagens. Ao criar uma história que envolve o passado e a família de Lisbeth, linha narrativa desenvolvida em A Menina que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar, fica a impressão de que nacos inteiros da história foram evaporados. Some-se a isso o fato de que a hacker ganha contornos quase super-heroicos, assumindo uma faceta de justiceira digital das mulheres oprimidas, e o resultado é um thriller genérico, de soluções exageradas e personagens com a consistência de manteiga passada no pão.

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Se existe um motivo para arriscar uma sessão de A Garota na Teia da Aranha, ele responde por Claire Foy. Assumindo o papel da hacker gótica, a atriz britânica mostra, mais uma vez, sua enorme versatilidade, compondo um tipo anos-luz de seu trabalho tanto na série The Crown quanto no recente O Primeiro Homem. Vivendo isolada, resolvendo casos de violência contra a mulher e dividindo sua cama com amantes ocasionais, ela é contratada para roubar um programa capaz de controlar todo o arsenal atômico da Terra. O engenheiro que encomenda o trabalho termina morto, e a chave para acionar o software está em seu filho. No jogo de gato e rato, Lisbeth precisa fugir de assassinos misteriosos de um lado, de um agente da CIA atrás do mesmo programa do outro, e termina pedindo ajuda para o jornalista Mikael Blomkvist (Sverrir Gudnason que, acredite, não chega perto nem da poeira das botas de Daniel Craig). A trama chega ao clímax ao se tornar uma história de vingança, arquitetada pela irmã perdida da protagonista. Sono.

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Colocar uma personagem tão bacana como Lisbeth Salander atrás de algo tão trivial como um macguffin é fracassar em enxergar seu verdadeiro potencial. Ainda assim, Alvarez faz o que pode com o material em mãos, tentando dar algum peso ao drama familiar incutido na narrativa. Mas a grande vilã do filme não ajuda: Camilla, que podia passar por parceira do Dr. Evil, só consegue da atriz Sylvia Hoeks uma coleção de caretas inexpressivas e um plano de vingança boboca. Com uma adversária tão caricata, uma ambientação de escala tão modesta e uma trama cada vez mais inverossímil, resta a Claire Foy carregar A Garota na Teia da Aranha na raça, fazendo de Lisbeth Salander uma espécie de James Bond light, em um filme com menos dinheiro (a ação se concentra em Estocolmo), mais curtinho e fechado em uma fórmula que rendeu algumas heroínas de ação modernas – a balança aqui pende mais para Jennifer Lawrence em Operação Red Sparrow do que para Charlize Theron em AtômicaA Garota na Teia da Aranha mirou no banquete em restaurante de luxo e acertou em lanchonete fast food. Dependendo de sua fome, pode até ser uma boa pedida.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.