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O problema do novo Animais Fantásticos tem nome e sobrenome: J.K. Rowling

Roberto Sadovski

15/11/2018 04h35

Ao longo de oito filmes, a série Harry Potter trouxe uma atmosfera de encantamento quase infantil que o cinema há muito não via. Havia empolgação, descoberta, magia e mistério – tudo sendo revelado diante de uma criança, um garoto que não compreendia sua importância e sua herança, e que abandonou a infância ao descobrir seu verdadeiro destino. Tornou-se ícone antes ainda de suas aventuras saírem dos livros para ganhar os cinemas. Influenciou uma geração inteira que cresceu junto com ele, tanto no ato confortável de ler um livro quanto na celebração que era acompanhar cada um de seus filmes. A história de Harry Potter teve começo, meio e fim, seu arco dramático foi concluído como manda o figurino, e seria o fim de um pedaço bacana da cultura pop moderna.

Sua criadora, J.K. Rowling, aparentemente tinha outros planos. Se a princípio ela sugeriu seguir outros rumos com sua carreira, amadurecendo como escritora e explorando novos mundos e novas histórias, na prática a galinha dos ovos de ouro ainda tinha trabalho pela frente. Animais Fantásticos e Onde Habitam chegou aos cinemas em 2016 com uma nova aventura ambientada no mesmo "Mundo da Magia" do aluno mais famoso de Hogwarts, mas sem o mesmo carisma. O filme voltava sete décadas no tempo e tinha como missão expandir o universo de Potter com personagens levemente familiares, abusando de efeitos especiais que mal conseguiam disfarçar a pobreza da história. Newt Scamander (Eddie Redmayne) obviamente não era Harry Potter. E o encantamento que embalou uma geração inteira no começo do novo século simplesmente não estava mais lá. A assinatura do roteiro? J.K. Rowling.

Eddie Redmayne é coadjuvante em seu próprio filme

Mas o Mundo da Magia não é um conceito criativo, e sim um selo que mantém uma engrenagem gigantesca em movimento, ganhando agora um novo capítulo em Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald. A produção é linda, e cada centavo investido pelo estúdio está em cena, desde o desenho de produção caprichado até o elenco cheio de gente de peso, culminando com o astro-quase-astro Johnny Depp. Mas o filme funciona somente num nível visual: é tanta coisa desfilando em cena que fica difícil desviar os olhos. Mas não é exagero dizer que, em pouco mais de duas horas, absolutamente nada acontece. Nada. Não existe nenhum desenvolvimento de personagens (embora um rosto novo surja a cada minuto). Não existe uma linha narrativa clara (dizer exatamente sobre o que é o filme é um desafio). Os bons elementos, como Jude Law no papel do jovem professor Alvo Dumbledore, são desperdiçados em pontas acentuadas. Um filme, afinal, só consegue se sustentar com uma história bem arquitetada. Esse ingrediente mágico está ausente em Os Crimes de Grindelwald.

A culpada é uma só: J.K. Rowling. Vamos ser honestos. Como escritora, ela conseguiu reacender o prazer de milhões de crianças e adolescentes em todo o mundo em devorar um livro, de papel, página a página. Cada novo Harry Potter era testemunho de seu crescimento como contadora de histórias. Como roteirista, por outro lado, ela está levemente acima da mediocridade. E olhe lá! Como nessa nova fase do Mundo da Magia ela faz questão de assinar o texto em voo solo, suas deficiências puxam o filme para baixo. Os Crimes de Grindelwald começa logo após o fim da aventura anterior, com o bruxo do mal revelado ao tomar o lugar de Graves (Colin Farrell, que falta você faz….), que trabalha no Ministério da Magia como um Auror (uma mistura de FBI com executores). Grindelwald escapa (calma, é a sequência que abre o filme) e junta um grupo de seguidores para tramar um plano capaz de derrubar o mundo dos Trouxas (eu e você, aparentemente). O único mago poderoso o bastante para caçar Grindelwald calha de ser Dumbledore, que se diz impossibilitado por motivos de roteiro, e passa a bucha para Scamander.

Jude Law merecia o centro do palco como Dumbledore

A ação é transferida a Paris, e o filme se torna um emaranhado de intrigas costuradas em mistérios que, no fim das contas, não fazem nenhum sentido e nunca empolgam. O centro da coisa é Credence Barebone (Ezra Miller), detentor de um segredo (é, mais um) que o torna alvo de todas as facções de bruxos. Mas Rowling parece ser incapaz de escrever o roteiro num crescendo, ou mesmo de dividir e cadenciar cada ato da história. Pior, ela deixa seu protagonista, Newt Scamander, como agente passivo boa parte do tempo, preferindo encher a bola de personagens que sequer deveriam estar ali. O maior exemplo é Jacob (Dan Fogler), um humano não-mágico envolvido na aventura de Newt em Nova York, que supostamente deveria ter esquecido tudo sobre o mundo dos bruxos, mas agora volta com a memória restaurada. "A magia não pegou" é a desculpa, e segue o jogo. Daí em diante somos apresentados a novas criaturas, a dramas familiares, a tragédias do passado, a aliados hesitantes e a uma "revelação" no último fotograma tão descabida quanto criativamente pobre.

Tudo em Os Crimes de Grindelwald é assim, resolvido de supetão, sem um crescendo, sem trabalhar o mistério, sem nenhum traço de conexão emocional. O filme é tão morno que seu clímax é, acredite, um discurso! Nada de riscos que fazem palpitar o coração, nada de uso criativo da magia, nada de a gente ver por que o personagem de Depp é, afinal, tão perigoso. Existe um potencial claro, já que o Mundo da Magia pode ser um lugar rico e surpreendente se bem explorado, em especial com um ator do calibre de Jude Law emprestando complexidade e personalidade a Dumbledore, mesmo com o fiapo de tempo que ele tem em cena. A solução para os próximos filmes (e, acredite, teremos mais, já que nenhuma linha narrativa é concluída aqui) seria entregar o texto para alguém como Steve Kloves, que conduziu o roteiro de sete dos oito Harry Potter, e tirar o operário sem personalidade que é David Yates da direção – e pensar que já tivemos Alfonso Cuarón no cargo! No fim, tudo se resume a controle. Rowling, com o sucesso acachapante dos filmes, passou a apitar mais alto, e desde que os filmes passaram para Yates, seu poder de decisão tornou-se supremo. Para assegurar o futuro criativo do Mundo da Magia, portanto, seria necessário que ela abrisse mão do ego e tomasse seu lugar como plateia. Mas uma vez que se toma gosto pelos holofotes….

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.