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Resident Evil 2 é mais assustador que todos os filmes de terror modernos

Roberto Sadovski

19/02/2019 04h46

Poucas experiências da cultura pop moderna são tão assustadoras quanto Resident Evil 2. Os diretores Kazunori Kadoi e Yasuhiro Anpo criaram uma história claustrofóbica, que coloca o horror antes da ação, resultando em uma trama sufocante, densa, em que criaturas geneticamente alteradas assombram corredores, esgotos e laboratórios, dividindo espaço com zumbis e outros predadores. A combinação é explosiva, ampliada com uma trilha sonora opressora e um clima de tensão crescente que, não raro, culmina em sequências de puro terror. Ao fim de Resident Evil 2, é impossível não estar exausto e genuinamente impressionado: seus criadores entenderam perfeitamente quais botões apertar para causar medo – lições que deveriam ser seguidas à risca por quem braça a tarefa de apavorar seu público.

A diferença para a esmagadora maioria dos produtos do gênero é que Resident Evil 2 não é um filme, e sim um videogame multiplataforma, o que lhe dá uma vantagem inexistente no escuro do cinema: somos parte fundamental da trama. O novo jogo é um remake da aventura do mesmo nome que a Capcom lançou duas décadas atrás, antes ainda de a série migrar para o cinema em seis filmes protagonizados por Milla Jovovich – e que pouco tem a ver com a trama do game. A decisão do diretor Paul W.S. Anderson em criar uma nova história para acomodar a personagem da atriz, que não existe em pixels, foi curiosa: Resident Evil, criado por Shinji Mikami em 1996, definiu o gênero "horror de sobrevivência", trazendo dois integrantes de uma força militar de elite, Chris Redfield e Jill Valentine, presos em uma mansão infestada de zumbis e outras criaturas. Todos os elementos da trama já estavam lá, em especial o antagonismo da empresa farmacêutica Umbrella Corporation. Sua continuação, lançada dois anos depois, ampliava a mitologia ao mesmo tempo em que mostrava uma evolução sem igual em seu gameplay.

Nas palavras do sábio: "Deu ruim!"

O remake, que chegou às lojas ao fim de janeiro, é um primor. Ele mantém a trama básica e abraça toda a evolução tecnológica no motor dos videogames domésticos das últimas duas décadas. As ideias incríveis e assustadoras do jogo de 1998, que esbarravam em gráficos eficientes para a época, mas não menos toscos, são executadas com primor de superprodução na nova versão. Tudo existe para estimular os sentidos: o desenho de som que usa o surround à perfeição, o equilíbrio de som e escuridão, as ameaças verdadeiramente assustadoras. Se os zumbis já se mostram adversários formidáveis (dica: mire nas pernas), os lickers são adversários brutais e implacáveis, superados somente pelos mutantes que emolduram a história. A arquitetura de Resident Evil 2 é tão eficiente que movimentos teoricamente de fácil execução se tornam complicados quando somados ao medo dos ataques inesperados. Fazer parte de uma trama de terror nunca foi tão sufocante!

Esse sentimento funciona, claro, por conta do roteiro esperto e bem escrito. Como no jogo original, é possível embarcar na trama na pele do policial Leon Kennedy ou da estudante Claire Redfield, quando eles chegam em Racoon City e encontram um cenário de guerra. A cidade está destruída, tomada por zumbis, e eles buscam refúgio na delegacia de polícia. É o ponto de partida para uma história que vai exigir não só velocidade mas também inteligência, já que a trama avança à medida em que a verdade sobre os acontecimentos em Racoon City se desdobram. Ou seja: matar zumbis é tão importante quanto colher pistas, encontrar objetos, decifrar enigmas e se mandar do local. O bacana é que a linha narrativa dos personagens é distinta, então a trama seguida por Claire a certo momento é radicalmente diferente da história vivida por Leon – com personagens diferentes e ameaças distintas que esporadicamente entram em choque.

Fugir, às vezes, não é uma opção!

Tudo isso sem perder o fio narrativo, encaixando momentos de ação dignos do melhor blockbuster cinematográfico ao longo do gameplay. Os gráficos ajudam na sensação de claustrofobia, com os polígonos do game original substituídos por renderização caprichada, não só dos protagonistas mas como do cenário (que é quase totalmente interativo) e de outros personagens. Os zumbis merecem um destaque, já que não funcionam como um "boneco" repetido ao longo da história, e sim uma dúzia de diferentes modelos que se comportam de acordo com sua interação com eles. Ou seja: nunca um jogo será igual ao outro, e cada recomeço traz novas situações que garantem a longevidade do game.

O sucesso de Resident Evil 2, vale ressaltar, foi explosivo. A Capcom vendeu cerca de 3 milhões de unidades só em sua primeira semana, reacendendo o interesse pela marca. No cinema, Resident Evil rendeu seis filmes entre 2002 e 2016 – uma de minhas séries ruins favoritas! Um dia antes de o novo jogo chegar às lojas, o Deadline disparou a notícia que a Netflix está trabalhando em uma nova série, mais próxima da mitologia dos games originais, expandindo as motivações da Umbrella Corporation e as consequências de uma epidemia global do T-virus. Mas isso é o futuro, é papo para executivos de grandes comportações. Para quem está em busca de sua dose de adrenalina causada pelo medo, os corredores escuros, esgotos fétidos e laboratórios destruídos de Resident Evil 2 já bastam como a experiência mais assustadora da cultura pop moderna.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.