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Shazam! acerta ao se assumir como comédia para a gurizada no Universo DC

Roberto Sadovski

03/04/2019 03h59

"Super-herói" não é gênero cinematográfico. Ok, há de se conceder que os "filmes de super-heróis" atuais misturam elementos de diversos gêneros para chegar a um certo tipo de narrativa fantástica. Mas eles podem ser ficção científica (X-Men), filme de guerra (Capitão América: O Primeiro Vingador, Mulher Maravilha), espionagem (O Soldado Invernal), policial (O Cavaleiro das Trevas) e até western (Logan). Shazam!, que leva para o cinema o personagem criado por Bill Parker e C.C. Beck em 1939, é uma comédia – e das boas! Mesmo que tecnicamente seja o sétimo do malfadado Universo Estendido DC, o filme de David F. Sandberg estilhaça o estilo inicialmente estabelecido por Zack Snyder em O Homem de Aço e surge como produto único, sem a menor obrigação de conectar-se com outros filmes ou personagens da editora. É a continuação lógica do caminho aberto por Aquaman e a chance de redenção das aventuras de Superman, Batman e cia em tela grande.

Acima de tudo, Shazam! é a chance de corrigir o curso e apresentar os heróis da DC no cinema como eles foram concebidos: não como um bando de desajustados em histórias sombrias e violentas, mas como símbolo de esperança em um mundo constantemente à beira do abismo. As declarações recentes de Snyder, com sua justificativa para heróis tirarem vidas, mostram o quanto o diretor estava equivocado em sua visão, o que resultou em pelo menos uma década de retrocesso para traduzir os personagens em outras mídias. A boa notícia é que o estúdio acordou e deixou aqui essa teoria furada de lado. Na prática, Shazam! é uma explosão de cores, de bom humor, de personagens que sequer arranham algum tom de cinza – "bem" e "mal" são conceitos cristalinos, sugeridos em um roteiro simples, sem muita profundidade, mas sempre leve e extremamente divertido. Ou seja, é diversão joia para levar a petizada, que com certeza terá um punhado de elementos bacana para se enxergar no meio da aventura.

Molecagem: Jack Dylan Grazer e Zachary Levi são o melhor de Shazam!

Mesmo porque o motivo dessa identificação é óbvio: Shazam! é protagonizado por crianças que realizam a fantasia suprema de se tornar um super-herói. Ok, uma criança em particular: Billy Batson (Asher Angel), órfão que passou os últimos anos fugindo de lares temporários, sempre em busca de sua mãe, de quem se perdeu em um parque de diversões quando criança. Ele é colocado na casa da família Vasquez, que já abriga outros cinco órfãos, e parece resignado em nunca achar seus pais verdadeiros. Já no primeiro dia da escola ele se envolve em uma confusão com o irmão adotivo, Freddy (Jack Dylan Grazer, que parece ter uma bateria movida a Red Bull), foge de dois valentões e termina transportado magicamente para a Pedra da Eternidade, lar do mago Shazam, que busca um campeão para defender a Terra da ameaça dos Sete Pecados Capitais (calma, a coisa faz sentido). Ao dizer o nome do mago, Billy ganha seus poderes e torna-se um adulto com mente de criança – e superpoderes que rivalizam aqueles do Último Filho de Krypton.

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É aí que Shazam! engata a segunda e não desacelera. Quando Billy transforma-se em Shazam (o herói traz o nome do mago, mas vem comigo), ele ganha o corpo de Zachary Levi e o filme ganha uma energia maníaca absolutamente contagiante. É o caso de mistura que funciona de ponta a ponta: Levi é perfeito como o moleque em um corpo superpoderoso, uma versão anabolizada de Tom Hanks em Quero Ser Grande; e sua química com Grazer, como o moleque fanático por super-heróis que vai ajudar o amigo/irmão a atingir todo seu potencial, é certeira. Sempre que a dupla Levi/Grazer está em cena, o filme sobe um patamar e mostra o quanto é bacana equilibrar aventura e bom humor numa narrativa que coloca um sujeito de capa, superforte e capaz de voar em cena. A coisa toda funciona como relógio por não ter medo de ser assumidamente para crianças.

O diretor David F. Sandberg orienta seu Capitão Marvel (porque sim!)

Shazam! só não é o filme pop perfeito por ter de lidar com um roteiro que nem sempre faz sentido – mesmo em seu universo fantástico. Billy precisa deter uma ameaça sem nenhuma sutileza e com zero personalidade: o maluco Dr. Silvana (Mark Strong) tem sede de poder e deseja as habilidades do mago para si por conta de um trauma infantil chamado "birra". Seu plano não faz muito sentido, e de certa forma lembra as tramoias de Lex Luthor em Batman vs. Superman: o sujeito genial e megalomaníaco que torna-se responsável por uma ameaça que pode aniquilar a vida na Terra. Coloque na mistura os tais Sete Pecados Capitais, que ganham aqui um design tosco e descuidado, e o resultado é um vilão bobão que só serve para espelhar as habilidades do protagonista – como Dwayne Johnson não se decide quando vai entrar no jogo da DC como o Adão Negro, principal antagonista de Shazam nos quadrinhos, a solução foi fazer de Silvana, em teoria um cientista louco, o malvadão superpoderoso da vez.

As aventuras do herói quando estavam nas mãos de Parker e Beck, na Era de Ouro dos quadrinhos ianques, divergiam das histórias do Superman por apresentar um mundo mais psicodélico e divertido, que tinha espaço para vilões esquisitos (como o Senhor Cérebro, basicamente um centopeia venusiana do tamanho de uma minhoca e com delírios de grandeza) e coadjuvantes absurdos (Seu Malhado, um tigre antropomorfizado, servia como confidente e melhor amigo de Billy). Mas aí seu nome ainda era Capitão Marvel, e ele não precisava passar o filme inteiro indeciso sobre como batizar sua identidade heroica. Obviamente, faz todo sentido a DC não ter mais um "Capitão Marvel" em seu elenco de heróis (por motivos óbvios), e mais sentido ainda o filme ter como inspiração sua fase Novos 52, recriação nem sempre bem sucedida dos heróis da editora. Shazam!, felizmente, passa longe dessas preocupações de executivos e acerta ao diminuir a escala (o mundo está em jogo, mas a narrativa não tem escopo épico), ao apostar na irreverência e ao cumprir sua missão principal: colocar um sorriso honesto em todo mundo que for uma criança no coração.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.