Topo

A Maldição da Chorona é um retrocesso para o universo de Invocação do Mal

Roberto Sadovski

18/04/2019 06h32

Todo mundo quer um universo para chamar de seu. O cineasta James Wan criou seu próprio nicho quando dirigiu o assustador Invocação do Mal, em 2013, e enxergou ali espaço para expandir as fronteiras do gênero. A fórmula é matadora. Filmes de terror geralmente custam pouquíssimo, comparados a grandes produções hollywoodianas. Quando acertam no zeigeist, faturam dez, vinte vezes além de seu orçamento. Wan enxergou o caminho e emendou, como produtor, roteirista ou diretor, mais um Invocação do Mal, dois Annabelle e um A Freira – este, lançado ano passado, cravou a maior bilheteria deste universo conectado, mas também seu ponto baixo criativo. O novo A Maldição da Chorona, infelizmente, amplifica a sensação que o som das moedas tilintando superou o ímpeto criativo da série.

Até porque o filme, dirigido pelo estreante em longas Michael Chavez, só garante sua entrada no "clube" ao forçar uma conexão capenga: o ator Tony Amendola repete aqui seu personagem de Annabelle, o padre Perez. E só. Mal se enxerga a assinatura de James Wan como produtor, já que atmosfera pesada e construção narrativa, elementos que fizeram de Invocação do Mal um terror acima da média, são substituídos por sustos rápidos e um bicho-papão sem graça e derivativo. Chavez faz o que pode para imprimir alguma personalidade à coisa toda, mas é sabotado pelo roteiro esquemático e incompreensível da dupla Mikki Daughtry e Tobias Iaconis que, ecléticos, também escreveram o romance açucarado A Cinco Passos de Você. Nada faz muito sentido no texto de A Maldição da Chorona, uma colcha de retalhos do gênero, com inocentes amaldiçoados, padres pouco ortodoxos, um sótão nada convidativo e personagens que fazem exatamente o oposto que qualquer pessoa faria em situações-limite. Qualquer tentativa de sutileza é substituída por histeria narrativa e pelos clichês de sempre – portas rangendo, rituais religiosos e sustos barulhentos.

Linda Cardellini, guerreira, carrega o filme nos ombros

É de admirar, portanto, a dedicação do elenco ao tentar impor alguma dignidade ao texto. Linda Cardellini, em especial, consegue sugerir alguma profundidade à protagonista, a assistente social Anna Garcia. Viúva e mãe de um casal (os ótimos Roman Christou e Jaynee-Lynne Kinchen), ela se depara com um caso delicado: a imigrante mexicana Patricia (Patricia Velasquez, eternamente Anck-Su-Namun) parece submeter os próprios filhos a maus tratos e perde sua guarda. Nada é o que parece, já que a mulher aparentemente tentava proteger as crianças da Chorona, o fantasma demoníaco de uma mulher que, décadas atrás, afogou os próprios filhos e depois se matou – como é mostrado na sequência que abre o filme. Amaldiçoada, ela busca outras crianças para substituir as suas. A história é baseada no folclore mexicano, mas não encontra aqui nenhuma profundidade, nenhum esforço para criar uma história verossímil. Afinal, ficamos sem saber por que a tal entidade persegue os filhos de Patricia, e depois volta sua atenção para os de Anna. O roteiro também não se dá o trabalho de seguir suas próprias regras (em teoria ela surge à noite, mas vira e mexe assombra com o Sol nas costas), deixando seus personagens, humanos e sobrenaturais, motivados basicamente pelo acaso.

O que não é muito diferente, por sinal, de A Freira. A diferença é que a noviça demoníaca, além de ter sido apresentada em Invocação do Mal 2, estreitando seus laços com este universo, traz um design verdadeiramente assustador. A Chorona, por sua vez, não apresenta um décimo do mesmo impacto visual – e ainda sofre o pecado de, lá pelas tantas, ser "humanizada", perdendo mais um pedaço de seu apelo maligno. Os produtores, por sua vez, devem estar torcendo para repetir a performance de A Freira, um filme de 22 milhões de dólares que embolsou 365 milhões. A Maldição da Chorona provavelmente custou a metade e apela para o mesmo filão do terror sobrenatural com tintas religiosas, com o bônus de mirar na comunidade latina: deve faturar uma bala. Ainda assim, é mais um produto do que um filme, destinado a manter a marca do terror de James Wan em evidência antes da estréia de Annabelle 3: De Volta Para Casa em junho (com Patrick Wilson e Vera Farmiga repetindo o papel do casal Warren), e do próprio Invocação do Mal 3, agendado para 2020 – que traz, veja só, Michael Chavez na direção. Nem Hollywood está livre de um contrato de experiência.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.