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Superman, Capitã Marvel: o que acontece quando heróis são poderosos demais

Roberto Sadovski

26/04/2019 03h09

O texto a seguir traz SPOILERS de VINGADORES: ULTIMATO! Ainda não viu o filme? Melhor voltar depois…

Nos anos 80, o Superman teve seus poderes radicalmente reduzidos. Simples assim. Na minissérie O Homem de Aço, escrita e desenhada por John Byrne, o herói teve sua origem recontada. No processo, perdeu algumas de suas habilidades sobre humanas. A motivação por trás da decisão da DC era correta: em quase cinco décadas de história, dezenas de roteiristas anabolizaram os poderes do Último Filho de Krypton, chegando ao ponto que era quase impossível criar novos adversários para ele enfrentar. Superman tornou-se um semideus, e como uma boa narrativa consiste em criar conflitos para o protagonista, é compreensível a sinuca de seus editores. E assim foi: depois da maxissérie Crise nas Infinitas Terras, em que o universo DC foi reiniciado, o Homem de Aço continuou sendo super – só que um pouco menos do que antes.

Lidar com um protagonista de poderes quase ilimitados é sempre um problema quando se lida com histórias de super-heróis. Foi exatamente o caso em Vingadores: Ultimato, que trouxe para a equipe a Capitã Marvel, heroína praticamente invencível. Apresentada em março no filme encabeçado por Brie Larson, a personagem descobriu sua origem e sua herança, encerrando sua aventura em plena capacidade de suas habilidades. Era certo que a Capitã se tornasse pilar fundamental nessa nova jornada da Marvel – mas não havia dúvidas que seus companheiros de equipe ficariam ridiculamente diminuídos ante seu poder. A solução encontrada pelos diretores Anthony e Joe Russo foi simples: eliminar a personagem de quase toda a trama. A guerreira Kree é fundamental no comecinho do primeiro ato, parte novamente para o espaço, reaparecendo somente no clímax, quase encerrando a história.

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Quando um personagem é virtualmente indestrutível, ele se torna enfadonho e pouco interessante. O único modo de criar algum conflito que alavanque sua história é fazer de seus poderes uma maldição, e não uma bênção. O super-herói britânico MarvelMan, rebatizado MiracleMan nos Estados Unidos, enfrentou um dilema assim. Criado em 1954 pelo artista Mick Anglo, ele era uma cópia do Capitão Marvel, o Shazam! original, publicado pela editora Fawcett. O motivo foi a ação de plágio movida pela DC, que acusou a Fawcett de copiar o Superman e forçou o cancelamento do título. Para não perder as vendas nas ilhas britânicas, o licenciador encomendou o novo herói a Anglo, que manteve sua publicação até 1963. Quando o personagem foi redescoberto em 1982, o roteirista Alan Moore, apaixonado pela série original de Mick Anglo, assumiu o texto. Fez uma revolução: em vez de continuar com aventuras de super-heróis tradicionais, Moore transformou o herói em uma alegoria de como o poder absoluto corrompe absolutamente, fazendo com que ele se tornasse um genocida, dado a assassinatos em massa, embriagado por sua própria divindade. MarvelMan passou, então, de cópia juvenil a clássico moderno.

Claro que nem o Superman e muito menos a Capitã Marvel devem abraçar um lado sombrio e tornar-se vilões no cinema (mas seria empolgante e surpreendente!). Diminuir sua força ou fazer com que seu sucesso não dependa dela parece ser a receita para criar conflito. Em Superman – O Filme, de 1978, o diretor Richard Donner entendeu o problema em potencial e fez do filme uma história de amor emoldurada por um conflito muito mais cerebral do que físico – até porque o Homem de Aço derrotaria Lex Luthor com um peteleco. Sua continuação, Superman II, foi ainda mais radical, privando Clark Kent de quaisquer poderes e o fazendo até sangrar. Mesmo o inferior Superman III contorna a questão ao manipular a personalidade do herói com kryptonita artificial, fazendo com que ele se dispa de qualquer traço de heroísmo. Se Superman – O Retorno trouxe um herói humanizado com a paternidade, o recente O Homem de Aço o emasculou por completo, fazendo com que o campeão da justiça e verdade fosse reduzido a um sujeito complexado, temeroso em utilizar seu potencial completo – quando o faz, o resultado é um rastro de destruição em Metrópolis. Tudo é reflexo de ter um protagonista capaz de resolver seus dilemas sem muito esforço, fazendo com que roteiristas quebrem a cabeça para criar conflitos sem que o heróis seja descaracterizado – tarefa nem sempre bem sucedida.

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É certo que, depois de sua participação reduzida em Vingadores: Ultimato, a Capitã Marvel tome uma posição de mais evidência no universo cinematográfico do estúdio. Não há dúvidas, entretanto, que parte de suas habilidades cósmicas seja aliviada em suas próximas aventuras. Só assim sua jornada continuará a despertar interesse. Alguns momentos de Ultimato com a heroína, por exemplo, chegam a sugerir que seus companheiros são peso morto e que ela é capaz de resolver tudo sozinha – não é, claro, mas essa certa prepotência diminui a empatia e seu frescor. Ter poderes quase divinos é uma fantasia humana recorrente, e sua realização no campo da ficção, usando personagens fantásticos como nosso avatar, resulta em espetáculos cinematográficos incríveis. Mas o estímulo precisa ser emocional além de sensorial. Para a Capitã Marvel continuar seu caminho à frente do MCU ela precisa ser menos… super! Do contrário, corre o risco de contrair uma "síndrome de Goku". Quase imbatível, e progressivamente mais poderoso, o protagonista da série Dragon Ball consegue ser apenas uma coisa: muito chato.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.