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Melhor série em anos, Chernobyl aborda o horror causado pela ignorância

Roberto Sadovski

03/06/2019 23h43

Lembro quando o desastre da usina nuclear de Chernobyl ganhou as manchetes, mais de três décadas atrás. A verdade sobre os motivos que causaram o maior acidente nuclear da história sempre foi mantida atrás de um véu de mentiras, burocracia, intimidação e o jogo de poder que nem o fim da Guerra Fria encerrou. Chernobyl, série criada por Craig Mazin para a HBO, dramatiza os acontecimentos a partir da noite em que um dos reatores da usina explodiu, envenenando tudo a seu redor com a fúria irrefreável da radiação. É uma reconstrução que, embasada em muita pesquisa, tenta ao máximo iluminar seus personagens e seu cenário, buscando não apontar culpados, mas entender que, naquele contexto, uma tragédia era questão de tempo. Tudo por conta da mão pesada do Estado.

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A série concentra-se em um trio de protagonistas. Valery Legasov (Jared Harris) era diretor do Instituto Kurchatov, e foi trazido para encabeçar as forças de emergência após o desastre. A seu lado, o burocrata Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård), presidente do Conselho de Ministros do Estado Soviético. Estes são interpretações de pessoas reais que trabalharam em torno do evento, ganhando um terceiro vértice na física nuclear Ulana Khomyuk (Emily Watson), única personagem fictícia da série, uma amálgama de vários cientistas que trabalharam para desvendar os mistérios do acidente. O texto de Mazin ganha fôlego não só com o elenco espetacular, mas também com a magistral reconstrução de Chernobyl e seus arredores, como a cidade de Prypiat, evacuada após a destruição do reator. Além disso, o texto também resvala em coadjuvantes que tiveram sua vida irremediavelmente destruídas pelo desastre, de bombeiros que trabalharam para apagar o fogo imediatamente após a explosão que expôs o núcleo radioativo da usina.

Jared Harris e Emily Watson conduzem o drama histórico em Chernobyl

Mas não pense que Chernobyl é uma série semi documental, uma tentativa de "humanizar" os acontecimentos e encontrar algum herói com todas as respostas. Seus cinco episódios, se forem categorizados em um gênero, revelam uma história de terror incômoda em diversos níveis. Terror físico, ao mostrar os efeitos da radiação nos homens que foram expostos de imediato às consequências da explosão – bombeiros e técnicos de Chernobyl, que em questão de dias sentiram uma dor inimaginável enquanto seus órgãos internos, sua pele e sua vida derretiam ante a degeneração celular causada pela contaminação. Terror moral, quando soldados em total ignorância respondiam a ordens para evacuar cidades e vilarejos em um raio de até 200 quilômetros em torno da usina, arrancando a população de seu lar e eliminando à bala toda vida animal – doméstica e selvagem – que ficaria para trás. O pior, contudo, era o terror implícito e a ignorância do Estado Soviético, que demorou a agir, fechou as portas para a colaboração internacional e foi humilhado em todo o mundo quando a verdade aos poucos vazou entre os poros da democracia, tudo em nome de uma "supremacia" ilusória.

Porque o regime comunista termina como o grande vilão de Chernobyl, com seus burocratas despreparados alocados em cargos-chave na máquina estatal, que até o fim se recusaram a enxergar a seriedade do desastre, mandando centenas de jovens para a morte ao tentar conter o derretimento iminente do núcleo radioativo – caso o resultado fosse outro, estaríamos vivendo em um mundo envenenado. A cada nova cena, são as paredes cinzas da burocracia e do fanatismo por um regime falido que ameaçam anabolizar as consequências da catástrofe. Craig Malin amarra os fatos com maestria, criando um drama pesado (o clima é ainda mais denso com a trilha opressora de Hildur Guðnadóttir, violoncelista que conseguiu traduzir em música o sentimento sufocante da Cortina de Ferro) que caminha lentamente para um triunfo no qual ninguém foi realmente o vencedor.

Direção de arte perfeita amplifica o impacto do acidente que fez história

É fato que a própria Rússia jamais seria capaz de produzir algo tão contundente e realista como Chernobyl, visto que sua democracia do novo século nunca deixou de ter um pé no autoritarismo dos camaradas. É preciso desapego e distância para apontar dedos e mostrar que um regime apoiado em intimidação militar, que vivia uma queda de braço com a outra superpotência durante a Guerra Fria, os Estados Unidos, escondia na verdade um grupo de burocratas mentirosos, dispostos a sacrificar centenas de milhares de vidas para não revelar seus próprios fracassos. É com essa visão que a série alterna diálogos técnicos com sequências memoráveis, em que a maestria técnica de seus realizadores cobre com beleza um dos momentos mais sombrios da história da humanidade. O resultado, por fim, é uma das melhores séries já criadas para a TV em todos os tempos, um testemunho e um alerta sobre a fragilidade, o ego e a estupidez daqueles que detém o poder. Um espelho incômodo para todos nós.

Assista ao trailer de "Chernobyl"

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.