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Movido a nostalgia, Turma da Mônica - Laços é o filme que o Brasil precisa

Roberto Sadovski

26/06/2019 03h13

O Brasil é um país enorme. Mas é difícil encontrar qualquer pessoa, de qualquer idade, que não tenha uma história carinhosa sobre algum gibi da Turma da Mônica. As criações de Mauricio de Sousa fazem parte do DNA brasileiro há décadas, e suas reinvenções mais recentes deram nova dimensão a seu alcance. Turma da Mônica – Laços é peça importante para que as criações do artista ampliem ainda mais seu público, criando novas histórias que, no futuro, muita gente vai contar como seu primeiro contato com a turminha. Isso porque o trabalho do diretor Daniel Rezende, que assumiu responsabilidade sem igual ao se colocar no comando da aventura, evoca as mesmas sensações despertadas pelas histórias no papel. Laços tem leveza, uma certa inocência e traz na nostalgia o motor para alimentar um filme que, só por existir, já deixa sua marca na cinematografia pop brasileira.

De cara, Turma da Mônica – Laços traz um nível de excelência que anda escasso em nosso cinema. Há uma preocupação narrativa e estética rara, um cuidado em amarrar a história com o mesmo apuro visual encontrado em sua contraparte de papel. Até porque o filme não adapta as tiras curtas que há décadas adornam as revistinhas distribuídas nas bancas (é, crianças, ainda existe um lugar mágico chamado "banca de jornal"!): por mais deliciosas que sejam, as tramas curtinhas não trazem uma narrativa que possa ser traduzida em outra mídia. Isso mudou quando seus editores apostaram em formatos diferenciados, graphic novels tocadas por artistas com estilos diversos – e diferentes dos gibis – que entregam tramas redondinhas, com começo meio e fim. Expandir o foco para além da fórmula que garante o sucesso tão longevo dos gibis foi uma jogada arriscada, mas com dividendos claros. O melhor deles foi o espaço aberto para criadores nutridos com histórias da turma, que finalmente puderam imprimir sua estampa a personagens tão caros a eles. Foi o caso de Laços, assinada pelos irmãos Vitor e Lu Caffagi, que em uma história delicada entenderam e abraçaram exatamente o que faz a Turma da Mônica funcionar.

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O Louco bate um papo esperto com o Cebolinha

A trama é uma cápsula do tempo, capturada pelas lentes de Rezende com precisão. Embora o registro seja realista (Cebolinha não tem só cinco fios de cabelo, Cascão tem medo de água, mas obviamente toma banho), o tom é lúdico, flertando com a fantasia sugerida nos gibis. É um microcosmo, com o bairro do Limoeiro surgindo como um universo contido, como se em alguma cidade do interior o tempo tivesse estacionado em um ponto indefinido entre os anos 70 e 80. Ou seja, nada de smartphones, nada de videogames em TVs gigantes: é um lugar em que a criançada brinca na calçada (mantendo a rivalidade com a turma da rua de cima), em que a praça é pontuada pelo pipoqueiro, pelo sorveteiro, pelo florista – todos com um sorriso permanente no rosto. É uma utopia desenhada por Mauricio de Sousa e sua equipe, expandida com a sofisticação do mercado editorial e, agora, traduzida em luz e som por Daniel Rezende. É o retrato de um Brasil tranquilo, honesto, em que o maior problema da petizada são os planos infalíveis de um garoto que ainda troca o "r" pelo "l".

Porque não seria Turma da Mônica sem um plano infalível do Cebolinha, determinado a roubar o coelho Sansão da "dona da rua" e tomar seu lugar. Ele ainda arrasta o colega Cascão para as aventuras, que invariavelmente terminam com a Mônica espalhando um ou outro olho roxo. Laços dispara já estabelecendo quem é cada um dos protagonistas – completados por Magali, a que só pensa em comida! Mas logo vai além da simplicidade das tirinhas para seguir uma história de mais camadas, que começa à noite, quando alguém "sequestra" Floquinho, o cachorro verde do Cebolinha. Com os adultos sem saber o caminho a seguir para procurar o bichinho, a turma logo se une para percorrer o Limoeiro em busca de pistas para recuperar o Floquinho, o que não demora para se expandir em uma jornada em que o quarteto vai descobrir o valor da amizade, do companheirismo e do trabalho em equipe.

Daniel Rezende dirige uma turminha que presta a maior atenção!

Essa jornada retratada em Laços, a história em quadrinhos, teve de ser ampliada para sua versão em cinema. Uma HQ segue a velocidade da leitura; já um filme precisa de mais estofo, o que às vezes se mostra uma faca de dois gumes. Por um lado, aumentar a história abriu espaço para que Rezende espalhasse uma série de surpresas, referências e brincadeiras ao longo do filme, sugerindo um universo mais rico e dando espaço a personagens que não estavam no gibi – como o Louco, que dá as caras em uma das sequências mais imprevisíveis da aventura em uma interpretação fora da casinha de Rodrigo Santoro. O ônus é que Laços por vezes desacelera um pouco além da conta, em especial nas cenas da turminha na floresta. O pé volta ao acelerador, porém, em um terceiro ato absolutamente delicioso, que compensa qualquer pecado com mais um plano infalível, uma operação de resgate que usa as habilidades de cada um dos quatro amigos em uma sequência escrita com inteligência e dirigida à perfeição – falar mais do que isso é estragar as surpresas!

O maior trunfo de Turma da Mônica – Laços, entretanto, é o elenco absolutamente sensacional selecionado por Rezende, que testou centenas de crianças até fechar com os irretocáveis Giulia Benitte (Mônica), Kevin Vechiatto (Cebolinha), Laura Rauseo (Magali) e Gabriel Moreira (Cascão). Ao contrário de muitos atores-mirins espalhados pelo audiovisual brasileiro, o quarteto nunca parece estar "interpretando", e sim vivendo seus personagens, em uma aventura que por vezes exige talento dramático de veterano. O que eles tiram de letra, com um entrosamento orgânico traduzido em uma aventura que redefine o significado de amizade – não é Os Goonies, muito menos Stranger Things, é um filme com personalidade própria, nostálgico, emocionante e 100 por cento brasileiro! Em uma época em que a realidade trata a cultura no país de forma tão dura, Turma da Mônica – Laços é um contra-ataque preciso e delicado, uma overdose de bons sentimentos que traz alento à alma e aquece o coração.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.