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Stranger Things vira gibizão dos bons em sua melhor temporada

Roberto Sadovski

20/07/2019 05h55

A terceira temporada de Stranger Things trouxe poucas novidades. Seus protagonistas continuam divididos entre dramas juvenis e ameaças interdimensionais. A ambientação nos anos 80 escalou alguns degraus, mas ainda é muitas vezes conduzida com a sutileza de uma marreta. O mundo mais uma vez corre perigo com a iminência de uma invasão do "mundo invertido", realidade paralela à nossa habitada por criaturas sombrias e letais. Ainda assim, a série dos irmãos Matt e Ross Duffer alcançou a perfeição por conta de decisões criativas espertas e por aprender que nada deve ser levado tão à sério: diversão aqui é a palavra chave. Diversão com uma pitada de intensidade, um gibizão assumido e empolgante. Dessa vez, a ficção científica flerta abertamente com o terror e a paranoia da Guerra Fria (são os anos 80, oras), tudo embalado em uma aventura adolescente descaradamente ancorada na década que tenta espelhar.

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Stranger Things, por sinal, entra em campo com total vantagem no jogo. Mais do que qualquer outra série da Netflix, a aventura deixou sua marca na cultura pop. Seus personagens não estão mais confinados nos limites do streaming, ganhando espaço no vocabulário que avança em produtos licenciados, em concursos de cosplay, na devoção a seus intérpretes. Eleven, a garota com poderes extraordinários interpretada por Millie Bobby Brown, é uma das grandes criações do entretenimento moderno. Dustin (Gaten Matarazzo) foi de alívio cômico a um dos personagens com arco dramático mais sólido. O xerife Jim Hopper (David Harbour) se consolida como um herói humano e falível, alquebrado por todos os defeitos do "homem moderno", machista e intolerante, tão típico de sua era. Seu relacionamento com Joyce (Winona Ryder) é um dos grandes romances não realizados da cultura pop moderna. O público, portanto, sabe exatamente quem vai encontrar, e com as apresentações fora do caminho, é muito mais fácil aproveitar a jornada.

Dustin, Steve e Robin: o melhor núcleo da nova temporada

O texto nessa terceira temporada é sólido, mas não foge do convencional – o que pode ser uma decisão esperta. A ação é dividida em três núcleos que entram em choque no clímax. A ação bizarramente é centrada no novo shopping center que divide a cidade de Hawkins, colocando a velha guarda em choque com o prefeito que busca lucros acima de tudo. Mas a atração se revela fachada para invasores russos (!), que buscam reabrir a fissura que conecta nossa realidade com o mundo invertido. É nesse cenário que Eleven vê seu romance com Mike (Finn Wolfhard) estremecer, e Will (Noah Schnapp) pressente a volta da ameaça interdimensional. Por fim, o rebelde Billy (Dacre Montgomery), que continua a suprimir a fúria intensa que o consome, torna-se canal para uma entidade violenta, que literalmente absorve dúzias de habitantes da cidade ao se solidificar como uma criatura assassina. Muito além de invasores além da Cortina de Ferro e de monstros abissais, Stranger Things solidifica-se como uma história sobre o fim da infância, amizade, família, amor e a perda da inocência.

Até porque o elenco já deixou a pré-adolescência e caminha para a maturidade. Crescendo a olhos vistos, os garotos de Hawkings enfrentam os dilemas que chegam com os hormônios em ebulição. É uma decisão inteligente abraçar a mudança: assim como em Harry Potter, é fascinante acompanhar a evolução tanto dos personagens quanto de seus intérpretes, e colocar isso como centro da trama cria conexão imediata com o público. Talvez por isso a amizade inusitada entre Dustin e Steve Harrington (Joe Keery) tenha conquistado tanto destaque na segunda temporada, com seu "núcleo", agora envolvido com mensagens russas codificadas e instalações militares secretas, ganhando a adição de Robin, que ganhou em Mata Hawke a intérprete perfeita. É dos três os momentos mais inesperados e surpreendentes da temporada. Mas não se engane. Stranger Things não é verborragia adolescente salpicada com elementos fantásticos: é um verdadeiro blockbuster, de grandes absurdos e intensa nostalgia. Já vimos tudo isso antes – e poucas vezes foi tão intenso, tão empolgante… e tão desenhado com neon.

Joyce e Hopper: adultos sem supervisão em um mundo fantástico

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.