Hobbs & Shaw é comédia para adolescentes movida a carisma, bordões e bíceps
Hobbs & Shaw, primeiro spin off da série Velozes & Furiosos, é o equivalente cinematográfico de uma man cave, a "caverna do macho" que todo adulto com uma pá de responsabilidades e cheio de boletos para pagar entope com traquitanas que ajudam a se "reconectar" com sua masculinidade, digamos, perdida. Não é nenhum exagero dizer que a aventura dirigida por David Leitch (Atômica, Deadpool 2) é o "filme de menino" supremo, em que transbordam tiroteios, explosões, perseguições de supercarros e uma frase auto afirmativa encharcada de testosterona a cada dez minutos. É escapismo ao extremo, ancorado por um par de astros (nem coloco "atores" porque o músculo cênico aqui não é exercitado) movidos a carisma, a bordões e a bíceps. Funciona? Ok, até que funciona, se você deixar a lógica de molho e abraçar Hobbs & Shaw pelo que ele é: uma comédia infantil anabolizada que vai funcionar para adolescentes de 12 anos como overdose de açúcar.
Deve-se aplaudir o esforço coletivo de Dwayne Johnson e Jason Statham em desvincular-se da série Velozes & Furioso – quintal do astro Vin Diesel que não abre espaço para nada além de uma coleção de coadjuvantes. Mas a saga de Dom Toretto ao menos tem uma visão para ancorar a coisa toda: fosse glorificando corridas urbanas, fosse se reinventando como filme de roubo, tudo servia para jogar uma luz no conceito de família, sempre mais amplo que laços de sangue. Hobbs & Shaw tenta traçar o mesmo caminho, mas fica logo óbvio que a vocação de seus protagonistas é mesmo o bromance desfuncional, com os astros como uma versão crossfit de Jack Lemmon e Walter Matthau em Um Estranho Casal. A ótima Vanessa Kirby, em cena como a irmã do personagem de Statham, faz o possível para quebrar o molde e dar ao filme verniz empoderado, mas é em vão: o charme da aventura, além das pontas surpreendentes de amigos que parecem ser colocados em cena durante uma visita ao set, é mesmo ver a dupla em um sparring verbal tão absurdo quanto divertido.
Claro que existe um fiapo de trama para amarrar tudo isso, envolvendo um vírus letal (que já não era novidade quando Tom Cruise teve de salvar o mundo quase duas décadas atrás no segundo Missão: Impossível), agentes do governo acusados de traição, uma organização criminosa que age nas sombras a nível global e um supervilão capaz de varrer o chão com a cara de nossos heróis. Aqui ele atende por Brixton, papel de Idris Elba, parceiro das antigas de Shaw que, após ser dado como morto, ressurge como um terrorista cibernético casca-grossa, pilotando uma moto tão eficiente quanto o cavalo Silver do Cavaleiro Solitário, disposto a tomar o lugar dos protagonistas como macho-alfa da coisa toda. O roteiro de Chris Morgan e Drew Pearce existe para amarrar a história com cenas de ação mais e mais bombásticas, a ponto de deixar o público amortecido. É um problema já experimentado pelos Velozes & Furiosos mais recentes: os efeitos digitais são tão desavergonhados que não existe mais nenhum fator de risco, já que a mente dispara que nada ali é real.
O que é real, entretanto, é a entrega de Statham e Johnson aos personagens. Ao contrário de Vin Diesel, que encara Velozes & Furiosos como obra shakespeareana (ele tentou de fato caçar uma indicação ao Oscar de melhor filme para a última produção), os astros de Hobbs & Shaw sabem que seu terreno é o escapismo, uma celebração do excesso extremo do cinema de ação. São cientistas que abraçam o estereótipo do nerd de laboratório. São traficantes russas com cara de supermodelo. É o vilão que tortura os heróis (mas não os mata de cara) enquanto revela todo o plano. É James Bond com a sutileza de um trator! Cada pedaço de diálogo jamais seria articulado por um ser humano, mas a dupla capricha nos impropérios um contra o outro como se isso fosse mais importante do que salvar o mundo ("O que, segundo minhas contas, será a quarta vez", diz Hobbs, super sério). Existe um claro equilíbrio de forças, e ressaltar as diferenças entre Statham (britânico, elegante e bem articulado) e Johnson (americano, exagerado e falastrão) é uma boa estratégia para que ninguém preste tanta atenção no absurdo da trama.
Existe, obviamente, um plano por trás de Hobbs & Shaw, e não é ao acaso que Dwayne Johnson e Jason Statham assinem o filme também como produtores. Embora ambos sejam bem sucedidos como produtos-solo, é inegável a força de uma parceria no cenário hollywoodiano atual, em que a criação de "universos" é a bola da vez e a sugestão de outros derivados garante a longevidade da empreitada – o gancho óbvio no final sinaliza que uma continuação já já vai para o forno. No cinemão do século 21, um filme bombástico e caro como este representa, paradoxalmente, o investimento mais seguro para os bolsos de quem paga a conta. O risco é zero quando Hobbs & Shaw não vai além do denominador comum, mesmo que anabolizado por esteroides, entregando exatamente a fatia de entretenimento prometida pelos nomes no topo do cartaz. É longo (135 minutos de caos), é ridículo, é honesto, é divertido. E é também impessoal e nada memorável – o que significa que cada nova sessão e cada novo filme vai soar como se fosse a primeira vez. Garotos espertos.
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