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Marvel vs. Sony: a saga do Homem-Aranha no cinema pega fogo nos bastidores

Roberto Sadovski

21/08/2019 19h06

Peter Parker definitivamente não consegue um segundo de paz. Com a saída iminente do produtor Kevin Feige, presidente da Marvel, do controle criativo do Homem-Aranha no cinema, o herói volta a ocupar um vácuo em que vê seu futuro ameaçado. Primeiro, um resumo rápido. Os direitos cinematográficos do herói pertencem à Sony, que lançou a trilogia dirigida por Sam Raimi na virada no século e dois filmes sob o comando de Mark Webb que não cativaram ninguém. Alguns anos atrás, o estúdio firmou um acordo inédito com a Marvel, agora uma empresa do grupo Disney, para que o Cabeça de Teia pudesse ser reiniciado, inserido no Universo Cinematográfico da editora e ganhasse uma nova vida. A Sony bancava os boletos, a Marvel segurava 5 por cento da grana das bilheterias (mais os direitos de merchandising) e todo mundo estava feliz. Daí o novo filme, Longe de Casa, faturou mais de 1 bilhão de dólares. E a coisa azedou.

Vamos por partes. Quando a Sony finalmente cravou os direitos do Homem-Aranha no cinema, pôs também fim a mais de uma década de disputa legal pesada, com meia dúzia de partes se dizendo donos de uma fatia. O resultado do processo, que possibilitou a realização de Homem-Aranha em 2002, com Tobey Maguire fazendo Peter Parker (ainda em muitos corações), deu ao estúdio controle total do personagem. Mas não havia MCU, não havia dominância absoluta dos heróis dos gibis no cinema, não havia Marvel e seu projeto mega ambicioso que encerrou sua primeira saga com Vingadores: Ultimato, a maior bilheteria da história. Embora financeiramente bem sucedidos, os dois Espetacular Homem-Aranha com Andrew Garfield naufragaram os planos que a Sony nutria em diversificar seu "aranhaverso" com filmes como O Sexteto Sinistro e (sem zoeira!) Tia May. Era a várzea.

Fica a dica: cada um no seu quadrado…

O acordo inédito entre os dois estúdios veio na poeira do relativo fracasso dessa encarnação do Aranha e do momento pré-glória da Marvel, entre Thor: O Mundo Sombrio e Guardiões da Galáxia. Foi um acordo acertado literalmente com um aperto de mãos durante um almoço da então toda-poderosa da Sony, Amy Pascal, e o presidente da Marvel Studios, Kevin Feige. No acordo, que não previa inicialmente compensação financeira nem pra Feige e nem pra Marvel, o herói seria "emprestado" para Capitão América: Guerra Civil (que passou de 1 bilhão de dólares nas bilheterias), com o estúdio produzindo dois filmes solo – esse contrato foi remanejado para incluir Guerra Infinita e Ultimato. Quando Homem-Aranha: Longe de Casa também chegou ao bilhão mágico, porém, o jogo mudou. Para quem pagava as contas e para quem pegava na enxada.

Até porque é bom deixar algo bem claro: o Homem-Aranha é a jóia da coroa da Marvel. É seu personagem mais emblemático e popular, é a "porta de entrada" de muitos fãs para o mundo maravilhoso dos super-heróis, é um fenômeno que cativa todo mundo, não importa cor, credo, gênero ou idade. É também o único personagem da Marvel que, no cinema, é 100 por cento de outra empresa. Claro que os números apontaram o momento de renegociar, e aí começou o cabo de guerra. A Marvel ofereceu dividir os custos em 50/50 com a Sony – mordendo o mesmo percentual em retorno. A Sony queria deixar tudo como está. A Marvel reduziu sua fatia para 30 por cento. A Sony não piscou. A coisa foi a público, mas é óbvio o motivo foi desequilibrar a balança ante a opinião pública enquanto executivos e advogados amaciam a papelada nos bastidores. Só gente grande. A bomba da Sony foi disparar que todo o imbróglio se concentrava em Feige, que não teria mais disponibilidade para se dedicar exclusivamente a um novo filme do herói por meses a fio – por motivos de a Disney ter colocado em suas mãos uma dúzia de longas e de séries em streaming que vão manter a casa ocupada pelos próximos três anos. Sem Feige, o diretor Jon Watts também está com o pé pra fora. Tom Holland, por sua vez, tem contratinho a seguir.

Será que alguém aguenta um aranhaverso erguido em torno… disso?

Tom Rothman, que assumiu a Sony depois da queda de Amy Pascal, indica não precisar mais da condução de Kevin Feige com o Aranha. Seu ponto passivo é Venom, que passou de azarão a blockbuster global com 856 milhões de dólares em caixa. Rothman gostou de brincar com o mundo do Cabeça de Teia e prepara não só um novo Venom, mas também Morbius, o "vampiro vivo" que tem Jared Leto à frente. Correndo por fora vimos Homem-Aranha no Aranhaverso, uma pérola de filme que arrebatou o Oscar de melhor animação este ano… mas não fez 1 bilhão de dólares. Não chegou nem na metade disso! Embora exista uma fresta para expandir com inteligência o universo do Homem-Aranha sem o resto da Marvel, e o filme guiado pela visão de Phil Lord e Chris Miller iluminou com maestria esse caminho, a palavra que define uma aventura do herói conduzida por comitê… ainda é Venom.

Daí vem a pergunta que vale uma fortuna: será que o público, investido em Tom Holland e em sua interação com o resto do Universo Cinematográfico Marvel, vai engolir um Tom Holland agindo como se nada do que ele enfrentou tivesse existido? Mesmo com todas as adaptações narrativas, com todos os encaixes para inserir o herói no MCU desde Guerra Civil, o Homem-Aranha atual ainda é sua versão mais completa fora dos quadrinhos. Não os melhores filmes, mas sua melhor versão, em um universo rico de possibilidades, que podem expandir-se ainda mais com a chegada do Quarteto Fantástico e dos X-Men nas mãos competentes de Feige. A verdade é que seria uma jogada catastrófica por parte da Sony acreditar que, agora, está com a fórmula mágica em mãos. Foi o erro cometido pela concorrência, quando a DC partiu para montar um "universo" antes de aprender a caminhar. O Homem-Aranha, por mais fabuloso que seja seu entorno, ainda é só um (ok, dois se a gente contar Miles Morales). Acredito que existe limite para a paciência do público se o resultado dessa separação for um caminhão de derivados como Homem-Aranha 2099, Spider-Gwen, Aranha Escarlate ou Teia de Seda. Ou Tia May!

"Oi, amiguinhos. Estou aqui pra dizer que, hoje, vocês reclamam de barriga cheia…!"

Muitos analistas do mercado hollywoodiano acreditam que a Sony e a Marvel chegarão ao fim desse túnel com um acordo satisfatório para todo mundo. Essa divisão seria ruim para todas as partes – mas a Sony sairia ainda mais manca, já que o estúdio precisa de uma injeção de adrenalina principalmente depois de o novo Homens de Preto fracassar em começar uma nova série. Com os estúdios apertando as mãos, mantendo o herói no MCU (e, quem sabe, incluindo seus próprios coadjuvantes nesse universo), o fluxo de caixa é garantido, e Los Angeles ainda é uma cidade movida a dinheiro. Vale lembrar que a própria Marvel encara uma quarta fase sob a sombra de Ultimato – mas vamos combinar que, depois da avalanche anunciada para os próximos anos, e com a artilharia pesada (novos Pantera Negra, Capitã Marvel e Guardiões da Galáxia, além de Quarteto Fantástico e X-Men) a caminho, o estúdio parece invencível. Pode até ser. Mas sem o Homem-Aranha, que é o coração de todo esse universo, vai sempre parecer que todos estão dançando ao redor do abismo.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.