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O Espião mostra o talento sóbrio e surpreendente de Sacha Baron Cohen

Roberto Sadovski

12/09/2019 16h39

Para quem conhece Sacha Baron Cohen por suas performances como o rapper Ali G, o fashionista Bruno ou o jornalista Borat, O Espião é uma revelação. Na minissérie da Netflix, o ator de 47 anos revela uma interpretação complexa, contida, que troca sua histeria habitual por sutileza, urgência e fragilidade. São os componentes essenciais para dar vida a Eli Cohen, espião israelense que, na segunda metade dos anos 60, assumiu uma nova identidade para se infiltrar na Síria, entre sua elite militar e política, buscando informações para proteger seu país. O conflito, além do óbvio trabalho atrás das linhas inimigas, é se despir de qualquer traço de sua vida para não colocar em risco essa nova persona, deixando para trás sua esposa e seu lar, movido pelo puro fervor patriótico.

Não é, vale ressaltar, uma obra de ficção, e sim baseada nos anos decisivos na vida de Eli Cohen. O Espião reconta seus passos com precisão desconcertante sem esconder sua conclusão trágico: nas cenas que abrem a minissérie, ambientadas em 1965, vemos seu destino em uma prisão Síria, após ser torturado e condenado à morte. A partir daí a série volta no tempo, quando Eli trabalhava como escriturário em Tel Aviv, depois de servir ao exército em seu Egito natal e de trabalhar com a inteligência militar em Israel. Rejeitado pelo Mossad, ele termina escolhido como candidato ideal para ser infiltrado no governo sírio, e passa meses em treinamento antes de ser colocado em campo. Para a missão, Eli assume o papel de Kamel Amin Thaabet, empresário de origem síria vivendo na Argentina, que deseja usar sua fortuna para "recuperar o orgulho" de sua nação.

Nadia (Hadar Ratzon Rotem) e Eli (Sacha BAron Cohen) em momento de paz

O Espião é criação do diretor e roteirista israelense Gideon Raff, que trabalhou no texto da série Homeland antes de dirigir, para a Netflix, o thriller Missão no Mar Vermelho, com Chris Evans – outra obra politicamente provocante. Ele foge, entretanto, de estereótipos do gênero, entregando um retrato mais preciso do trabalho de espionagem internacional. Ou seja, o tom é menos James Bond ou Jack Ryan e mais próximo de O Espião Que Sabia Demais, de Tomas Alfredson. Ainda assim, a série foge das engrenagens da missão para se concentrar no preço que Eli Cohen voluntariamente pagou ao assumir a identidade de Kamel em um país inimigo. O roteiro acerta ao se concentrar não somente em sua jornada, mas em também manter uma luz em sua mulher, Nadia (Hadar Ratzon Rotem), que tenta conduzir sua vida com um véu de normalidade em Tel Aviv, lidando com a ausência do marido por meses a fio, totalmente alheia à verdadeira natureza de seu trabalho. Esse equilíbrio entre dois personagens e dois mundos impedidos de se entrelaçar conferem humanidade e personalidade a O Espião, criando uma narrativa mais envolvente e irresistível.

Em seu centro emocional e criativo, portanto, está a performance equilibrada de Sacha Baron Cohen. Ao fugir do formato de thriller, O Espião abre mão de momentos catárticos, despindo-se de um chamariz explosivo para o streaming moderno. Essa ausência, porém, é coberta pela presença carismática do ator, que escolhe um registro elegante para criar um personagem rico e envolvente. Sem nunca perder o foco, é uma surpresa observar Sacha adicionar camadas que humanizam Eli, ao mesmo tempo em que é desesperador acompanhar seu mergulho sem freios na identidade de Kamel. O personagem que teria menos impacto nas mãos de alguém que não entendesse essa dualidade, e entender essa linha tênue é trabalho de um grande intérprete. Auxiliado por um elenco de coadjuvantes notáveis, Sacha eleva O Espião além da biografia insípida, reiterando o papel de Eli Cohen na história contemporânea. Lembro quando o ator queria dar o salto da comédia para papéis dramáticos como Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody, mas se retirou do projeto ao discordar da direção planejada por Brian May e Roger Taylor. Seria um filme diferente, talvez ainda mais fiel à personalidade do líder do Queen… E provavelmente aquele Oscar de melhor ator estaria repousando em outra estante.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.