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Mesmo com Will Smith, é a tecnologia o grande astro de Projeto Gemini

Roberto Sadovski

10/10/2019 14h22

Projeto Gemini segue a cartilha do filme de ação padrão até o momento em que seu protagonista, o assassino profissional Henry Brogan, sai no braço com seu algoz nas catacumbas de Budapeste. É a primeira vez que Will Smith, aos 50 anos, encara de perto seu perseguidor: também Will Smith, só que aos 23 anos. A cena impressiona. Mesmo com todos os avanços experimentados pela tecnologia de fazer filmes nos últimos anos, ver um dos astros mais reconhecíveis do planeta frente a frente em dois momentos cronológicos distintos causa impacto. As ferramentas para criar a ilusão de colocar um ator ante uma cópia mais jovem mostram a evolução da caixa de brinquedos disponíveis hoje para operários do cinema. Quando a tecnologia vai para as mãos de um artista como Ang Lee, porém, marola vira tsunami.

Duplicar Will Smith, afinal, é só o aspecto mais evidente do avanço representado por Projeto Gemini. Desde que escalou um protagonista digital em Hulk, quando a tecnologia ainda não alcançava sua ambição artística, Lee se tornou entusiasta em experimentar novas ferramentas que impulsionem a experiência do cinema. Para criar a versão jovem de seu astro, o cineasta não se valeu do rejuvenescimento digital mostrado, por exemplo, em um punhado de filmes da Marvel (Kurt Russell na cena de abertura de Guardiões da Galáxia Vol. 2 ainda me faz pensar que ele rodou nos intervalos de Fuga de Nova York e deixou o material na gaveta). Quando Smith aos 23 anos está em cena o que vemos é uma criação 100 por cento digital, como os animais foto realistas em O Rei Leão, animado a partir da captura da performance do ator e combinado com o uso inteligente de dublês. Quando Will Smith diz que seu "Júnior" agora existe em banco de dados e pode ser usado em qualquer filme em seu lugar, ele só está parcialmente brincando.

Ang Lee estuda uma cena com Will Smith (o velho)

O outro salto evolutivo capitaneado por Ang Lee em Projeto Gemini pode não ser tão explícito, mas é igualmente impressionante. Exibido em 3D+ a 60 frames por segundo, o filme aposta na clareza impecável de imagens para realçar as cenas de ação. Explico. O padrão de imagens no cinema é de 24 frames por segundo, e é assim que experimentamos imagens projetadas para dar ilusão de movimento. Na indústria dos video games modernos, o padrão é de 60 FPS para garantir fluidez nas imagens, especialmente em modos de combate que exigem precisam na resposta do jogador. Trazer esse pensamento para o cinema foi una ideia com a qual Lee flertara no drama de guerra A Longa Caminhada de Billy Lynn, de 2016, mas a impossibilidade de massificar sua exibição no formato (e um roetiro capenga) enterrou sua carreira nos cinemas. Projeto Gemini, com suas cenas e ação e o desafio de criar uma versão digital convincente de Will Smith, fizeram o diretor arregaçar as mangas para mostrar que uma exibição em 3D podia ir além do beco sem saída estético em que se encontrava desde que James Cameron criou novas regras para o jogo com Avatar.

O curioso é ver essa evolução a serviço de uma história que parece saída da Hollywood de décadas atrás. O que também não é surpresa, já que o roteiro de Projeto Gemini circula pela capital do cinemão há pelo menos vinte anos. O filme quase saiu do papel em meia dúzia de ocasiões, com gente como Ridley Scott, Tom Cruise, Harrison Ford e Joe Carnaham interessados a certa altura. A barreira sempre foi tecnológica, já que nenhum dos artistas envolvidos em algum momento cogitou usar atores de idades diferentes para representar o protagonista e seu clone – uma solução parecida por abraçada por Rian Johnson em 2012, quando Bruce Willis e Joseph Gordon-Levitt interpretaram a mesma pessoa com idades diferentes em Looper. É inevitável sentir uma certa nostalgia e lembrar de produções dos anos 90 que misturam ação e ficção científica na trama como A Outra Face, Assassino Virtual e O Demolidor, numa época em que o cinema apostava mais em tramas originais, usando um astro com peso global para viabilizar a empreitada.

O impressionante processo de construção do Will Smith digital

Projeto Gemini, portanto, dificilmente sairia do papel sem o aval de Will Smith – e o ator não decepciona. Como Henry Brogan, ele é apresentado como o assassino mais casca-grossa do planeta, usado por alguma agência obscura do governo para eliminar figurões indesejáveis. Logo na primeira cena temos ideia do quanto ele é eficiente, ao atirar em um algo dentro de um trem em movimento. Mas Brogan sofre com seu trabalho, e os anos de solidão lhe renderam uma consciência indesejada, o que o faz querer sair do jogo, o que a agência não enxerga com bons olhos. Depois de trucidar um batalhão enviado para matá-lo, ele passa a ser alvo de um assassino solitário, implacável e eficiente, que o persegue dos Estados Unidos à Hungria, passando pela Colômbia. Quando finalmente o encontra, Brogan enxerga um espelho: o novo agente, chamado Junior, é ele mesmo, só que no auge da juventude, bem antes de questionar a missão em suas mãos. Um clone, criado unicamente para ser uma máquina de matar.

O material cresce nas mãos de Ang Lee. O diretor, responsável por filmes tão ecléticos como O Tigre e o Dragão, O Segredo de Brokeback Mountain e As Aventuras de Pi, conduz as cenas de ação ao limite da tecnologia a seu dispor. Com a captura em alta definição em mãos, ele cria sequências de clareza única, em que o efeito tridimensional não se enconde nas sombras. A faca corta dois lados, já que qualquer imperfeição na criação do Will Smith digital fica absurdamente evidente. Mas a ilusão, aliada ao modo imersivo, logo deixa a estranheza de lado para se tornar um padrão que o cinema de gênero só ganharia ao seguir. Assim como em Hulk ou em Pi, Lee é pioneiro e visionário, experimentando novas tecnologias e abrindo caminho para outros cineastas. O cinema só tem a ganhar quando artistas se jogam no abismo confiando na segurança que a equipe e a tecnologia proporcionam. Ante a ambição nos bastidores, os temas levantados por Projeto Gemini, como a busca por identidade e o eterno dilema entre natureza e criação, ficam em segundo plano. Mas o saldo da experiência, quando as luzes se acendem, ainda é positivo.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.