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Star Wars desacelera e aponta um futuro parecido com seu... passado!

Roberto Sadovski

06/11/2019 03h27

Star Wars: A Ascensão Skywalker chega aos cinemas em pouco mais de um mês com a missão de encerrar uma era. Espera, risca isso: o filme de J.J. Abrams, que fecha a saga criada por George Lucas em 1977, marca também o reposicionamento da marca, a mudança de planos da LucasFilm e uma nova visão para o cinema pop do novo século. Porque o cinema precisa, porque Star Wars precisa, porque arte não pode ser eternamente um produto embalado e servido em bandejas de plástico. Empolgados com os novos brinquedos em mãos, os executivos da Disney capricharam no planejamento e transformaram a Marvel num gigante ao consumar a ideia de um universo cinematográfico compartilhado. Diria que o plano foi um sucesso absoluto – Vingadores: Ultimato é, afinal, a maior bilheteria da história. O erro dessa turma, entretanto, foi achar que propriedades intelectuais são todas iguais, e que basta abrir a torneira para o volume ser transmutado em ouro. Descobriram, a duras penas, que a banda não toca a mesma música em todo quintal. O martelo foi finalmente batido pelo dono da bola, Bob Iger, CEO da Disney: no caso de Star Wars, menos é mais.

"Já disse antes que provavelmente fizemos e lançamos muitos filmes (com a marca) Star Wars em pouco tempo", disse Iger em uma entrevista à BBC Radio. "Não acho que eles foram de forma alguma decepcionantes, só acho que existe algo especial em Star Wars, e que menos é mais." O chefe da Disney pode até puxar o barbante para sua turma artisticamente, mas os números são impiedosos. Depois de quebrar a barreira de 1 bilhão de dólares com três novas aventuras (O Despertar da Força, Rogue One e Os Últimos Jedi), a dose mais recente deste universo, Han Solo, estacionou em pouco mais de 390 milhões em todo o mundo, menor bilheteria de todos os filmes da série. Como efeito imediato, outras Histórias Star Wars em desenvolvimento foram canceladas. Boba Fett, que acompanharia o caçador de recompensas apresentado no cinema em O Império Contra-Ataca, seguiu o caminho do dodô. Obi-Wan Kenobi foi engavetado, apenas para ressurgir como série em streaming para a plataforma Disney+, trazendo Ewan McGregor de volta como o cavaleiro Jedi, com filmagens marcadas para ano que vem. Em tela grande, porém, não existe de imediato nada além de A Ascensão Skywalker.

A Ascensão Skywalker: o fim de Star Wars como conhecemos… ou um novo começo?

Menos é mais. Quando eu vi Guerra nas Estrelas no cinema, não existia essa cultura atordoante que acompanha um filme como produto. A aventura que apresentou Luke, Leia, Han e cia. era isso: uma aventura, um filmaço com começo, meio e fim. O Império Contra-Ataca veio três anos depois (provavelmente uma eternidade para o fã moderno), e terminou em um gancho que só foi resolvido outros três anos à frente, em O Retorno de Jedi. Star Wars era, de fato, especial. Um evento cinematográfico único, mantido fora dos cinemas com toda uma cultura nerd alimentada por brinquedos, histórias em quadrinhos, livros e dúzias de produtos estampando os heróis da saga. Depois de Jedi, o cinema só foi receber seus personagens exóticos e mundos distantes depois de uma ausência de dezesseis anos com A Ameaça Fantasma em 1999. Essa nova trilogia, que reacendeu a marca para toda uma geração, também só deu as caras no cinema de três em três anos, com Ataque dos Clones em 2002 e A Vingança dos Sith fechando o ciclo em 2005.

O novo milênio, porém, trouxe uma nova forma de apreciar cultura pop em grande escala. O Senhor dos Anéis ofereceu um épico em três partes entre 2001 e 2003. Harry Potter celebrou a cultura nerd também a partir de 2001, com oito filmes chegando ao cinema mais ou menos a cada dezoito meses. Em pouquíssimo tempo, outras propriedades intelectuais tomavam o lugar de Star Wars. A Marvel, que colocou suas manguinhas de fora em 2000 com X-Men (Blade, de 1998, não vale por ser assumidamente um filme de terror), disparou alguns filmes de sucesso (como os três Homem-Aranha de Sam Raimi) antes de inventar o universo cinematográfico moderno a partir de Homem de Ferro em 2008. A partir daí, o público pop se acostumou a doses regulares de seus personagens favoritos. A LucasFilm enxergou cifrões e colocou em prática um plano para seguir a mesma fórmula, com um novo filme da história principal a cada dois anos, intercalados com produções em uma antologia ambientada no mesmo universo. Mas super-heróis foram consumidos em doses mensais como histórias em quadrinhos desde sempre, e as dezenas de personagens podem ser desenvolvidas em seu quintal antes de reunirem-se em outro épico. Seus fãs estão acostumados a uma overdose de Homem-Aranha ou Capitão América (ou Superman ou Batman). Super-heróis funcionam assim. Star Wars, não.

The Mandalorian aponta o novo caminho de Star Wars em streaming

Até porque a criação de George Lucas, apesar de ser referida como universo, parece mais a vila do Chaves, com todas as histórias no cinema girando em torno do legado da família Skywalker. Rogue One ciscou fora do terreiro, mas usou iconografia familiar – como Darth Vader – para atrair o fã casual. Os planos pós-Episódio IX cobriam duas novas trilogias, mas já murchou. David Benioff e D.B. Weiss, criadores de Game of Thrones, estavam trabalhando em novos filmes que supostamente abordariam as origens dos cavaleiros Jedi, mas optaram por assinar um contrato de 300 milhões de dólares para desenvolver conteúdo para a Netflix. Rian Johnson, que dirigiu o ótimo e também divisivo Os Últimos Jedi, também está na fila para explorar outros rincões do universo Star Wars, mas aparentemente seu projeto encontra-se em ponto morto. Kevin Feige, chefão da Marvel, também deve produzir o seu Star Wars, mas não há nada até agora além do anúncio. O movimento com a marca encontra-se, unicamente, em streaming.

E é no Disney+ que a coisa fica curiosa. The Mandalorian entra no ar já com o lançamento da plataforma, agendado para a próxima semana nos Estados Unidos. Em seguida a LucasFilm dispara a sétima temporada da animação Star Wars: The Clone Wars, que verá seu desfecho depois de deixar o Cartoon Network em 2013 – a Netflix manteve a série em seu catálogo até recentemente. Para o futuro, séries com o personagem Cassian Andor (com o mesmo Diego Luna que o interpretou em Rogue One) e com o mestre Jedi Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor manteve segredo por quatro anos!) estão em desenvolvimento. Os Skywalker, o Império e os rebeldes estão longe dos holofotes, com os esforços concentrados neste universo expandido de Star Wars. Não por coincidência, foi o Universo Expandido, que foi além das histórias contadas nos filmes em livros, games e quadrinhos, que mantiveram a chama da série acesa por décadas. Com a filosofia do "menos é mais", faz sentido mais uma vez explorar outros cantos na galáxia criada por George Lucas (e aumentada por tantos outros autores) com o escopo menor que o streaming permite – sem, entretanto, perder em qualidade. Acho difícil personagens apresentados nos novos filmes simplesmente desaparecerem – o piloto da Resistência Poe Dameron (Oscar Isaac) já ganhou uma série em quadrinhos muito bacana. As possibilidades narrativas no streaming, com personagens e mundos desenvolvidos com o ritmo certo que uma minissérie permite, são imensas. É o modo certo de não trazer novos fãs sem alienar os tradicionais com uma eventual overdose. Dessa forma, quando Star Wars eventualmente voltar ao cinema, será mais uma vez o evento grandioso que a saga merece. A história se repete – mesmo em uma galáxia muito muito distante.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.