Movido a nostalgia, A Ascensão Skywalker é final imperfeito para Star Wars
Star Wars: A Ascensão Skywalker é um produto com duas caras. Na superfície, o filme de J.J. Abrams parece feito exclusivamente para agradar aos fãs da saga, com sua reverência exagerada às suas mais de quatro décadas de história. Um olhar mais atento, porém, revela que o compromisso da aventura, que encerra uma das séries mais festejadas da cultura pop, é unicamente com o escapismo. Segue o fio. O Despertar da Força, que o próprio Abrams comandou em 2015, trazia a preocupação em reapresentar a marca a uma nova geração sem alienar seus devotos – missão que alcançou com louvor. Com o filme seguinte, Os Últimos Jedi, o diretor Rian Johnson foi na contramão das expectativas e tomou decisões ousadas, recuperando o mistério e a empolgação para o futuro da saga. A Ascensão Skywalker, por sua vez, deixa de lado sutileza e criatividade para ancora-se unicamente em nostalgia (daí a ilusão do fan service) e na força de seu visual acachapante, que emoldura uma narrativa linear. Só não espere que ela faça algum sentido.
Talvez tenha sido a decisão certa para deixar os executivos do estúdio confortáveis. Star Wars, afinal, há muito deixou de ser apenas cinema para abraçar seu potencial como fenômeno cultural e financeiro. Os últimos anos, porém, mostraram sérios distúrbios na Força, o que poderia abalar a marca a longo prazo, exigindo controle de danos imediato. Os Últimos Jedi, por mais que seja um filme de visão sólida, deixou boa parte dos seguidores furiosos com suas decisões criativas. O fracasso de Han Solo elevou o volume do alarme, e o planejamento de novos exemplares da série desacelerou. Filmes em desenvolvimento voltaram para a gaveta, projetos para o cinema foram reconfigurados para a nova menina dos olhos do estúdio, a plataforma de streaming Disney+, e a aventura derradeira da família Skywalker foi removida das mãos de Colin Trevorrow (diretor de Jurassic World e nem de longe uma aposta segura) e entregue à segurança representada por J.J. Abrams. A Ascensão Skywalker precisava ser desprovido de risco, representando unicamente a máquina de Star Wars a serviço do conformismo, das emoções fáceis e do cinemão pipoca.
O modelo narrativo foi, para surpresa de zero pessoas, O Retorno de Jedi. Sem a menor sutileza, o filme de 1983 é copiado tanto nos conflitos de seu protagonista quanto na redenção de seu grande vilão. Assim como Luke Skywalker, agora é Rey que enxerga um caminho na sedução do Lado Sombrio da Força. Assim como Darth Vader, o poderoso Kylo Ren ganha a chance de expiar seus pecados ao encarar uma humanidade que considerava enterrada. Assim como antes, é o imperador Palpatine (Ian McDiarmid, deliciosamente canastrão) quem manipula a todos, conduzindo os personagens em um xadrez cósmico que parece obedecer apenas a sua vontade. Nem em um milhão de anos eu caio nesse papo furado de "sempre planejamos colocar Palpatine na história", mas não seria uma solução tão absurda caso sua presença fosse ao menos sugerida nos filmes anteriores. Do jeito que está parece um truque de última hora para fechar um círculo e encerrar a história (familiaridade traz conforto). No meio de tudo, pode esperar duelos com sabres de luz e batalhas espaciais tão épicas quanto inverossímeis – no futuro próximo, em streaming ou blu ray, vai ser divertido acompanhar os fãs pausando o filme em seu clímax para tentar encontrar os easter eggs entre centenas de espaçonaves que tomam a tela.
Daisy Ridley e Adam Driver, como esperado, fazem o trabalho pesado para conduzir a trama – Finn (John Boyega) e Poe (Oscar Isaac) são coadjuvantes anabolizados. A vontade de diminuir o impacto das revelações de Os Últimos Jedi, porém, apequena o universo de Star Wars. O caso de Rey é o mais gritante. Sua origem, ponto de especulação dos devotos desde O Despertar da Força, havia sido resolvida de maneira simples e elegante no filme anterior: ela era uma pessoa comum, mostrando que a Força, assim como o universo, é regida pelo poder do acaso. Ao retomar o fio narrativo de maneira barata, Abrams e o co-roteirista Chris Terrio reduzem o escopo da história a uma briga de comadres ambientada em um quintal, em que todo mundo é relacionado com todo mundo. Driver, que a essa altura já está com as mãos no Oscar por seu trabalho em História de Um Casamento, faz o possível para conferir mais camadas ao conflituoso Kylo Ren, e termina com um arco dramático mais empolgante do que, por exemplo, a jornada para o Lado Sombrio empreendida por Anakin Skywalker nos filmes sofríveis lançados entre 1999 e 2005.
Elementos narrativos específicos, que servem para alimentar discussões entre fãs por anos a fio – o uso dos poderes Jedi, o conflito com os Sith, as participações infindáveis de todo mundo que já teve espaço na série (Wedge Antilles vive!), a solução final de Palpatine -, passam ao largo do verdadeiro público-alvo de A Ascensão Skywalker, que é o cinéfilo eventual em busca de uma aventura espacial acelerada. Essa turma sabe que encontrar coerência narrativa em Star Wars sempre foi um exercício em futilidade, e entende que é a jornada, e não seu resultado, que deixa a coisa saborosa. Não é ao acaso que o filme encontra espaço para encaixar assuntos contemporâneos em uma roupagem fantástica, como o perigo do fascismo, a obsessão política pelo poder absoluto, a preocupação com diversidade – temas universais que democratizam o interesse e evitam que a série se feche em uma bolha. Afinal, o futuro de Star Wars não pode depender unicamente do Bebê Yoda.
Apesar das coincidências que empurram a trama, da narrativa amparada no acaso (o filme inteiro resume-se mais uma vez à busca por um mapa), na ausência de riscos (um sacrifício importante é anulado duas cenas depois) e na total falta de imaginação que conduz o roteiro, A Ascensão Skywalker triunfa como celebração. Vou além: é uma despedida definitiva da herança deixada por George Lucas, já que, com o ponto final na história da família Skywalker, Star Wars está finalmente livre para explorar outras histórias, criar outras lendas e descobrir novos caminhos em seu universo tão vasto. Apesar do sabor de reprise, ainda emociona pela força da nostalgia, pela paixão pela aventura e pelo poder de suas imagens. Não é por acaso que tantos personagens de diferentes eras de Star Wars tenham reunidos sob o mesmo teto – inclusive Carrie Fischer, a princesa Leia, presente graças à costura habilidosa de material descartado de O Despertar da Força e do auxílio providencial da tecnologia digital. Ao menos Jar Jar Binks não foi convidado para a festa.
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