Vitória de 1917 no Globo de Ouro deixa disputa pelo Oscar... imprevisível!
Por essa ninguém esperava. Nem o diretor Sam Mendes, que subiu ao palco do Globo de Ouro para receber o troféu como melhor diretor, e depois como melhor filme para seu 1917. O filme, que estreou em poucas salas nos EUA no dia do Natal, mas terá seu circuito ampliado essa semana (por aqui a data é 23 de janeiro), não estava em nenhum radar como favorito ao prêmio e, de repente, saltou para o banco da frente como um dos favoritos para abocanhar um Oscar na cerimônia que acontece em 9 de fevereiro.
Não que o Globo de Ouro sirva como termômetro para os prêmios da Academia: a premiação concedida pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (ou HFPA) conta com pouco mais de 90 votantes e é inexpressiva como parâmetro. Mas a festa tem força na mídia, e no mínimo serve para jogar luz em filmes que talvez membros da Academia não estivessem prestando tanta atenção. Com os prêmios dos sindicatos sendo entregues nas próximas semanas será possível dimensionar o tamanho do impacto que a vitória de 1917 no Globo de Ouro pode ter causado.
A verdade é que a consagração deste filme ambientado nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial bagunça ainda mais o coreto de um Oscar que já se aproximava sem um favorito isolado. Até então, Era Uma Vez… em Hollywood, de Quentin Tarantino, seria o único filme com indicações, vá lá, garantidas – suas três vitórias no Globo de Ouro (melhor filme musical/comédia, roteiro e ator coadjuvamnet para Brad Pitt) mostram o carinho generalizado pela declaração de amor ao cinema do diretor de Kill Bill e Bastardos Inglórios.
Nas últimas semanas, o coreano Parasita, disparado o melhor filme de 2019, pareceu crescer em importância, com o diretor Bong Joon-Ho e seu elenco cortejados pela realeza hollywoodiana em eventos disputados em Los Angeles. A essa altura eu não duvido que o filme consiga ir além de uma indicação como melhor filme estrangeiro, surgindo em outras categorias (direção, fotografia, direção de arte, roteiro e até como melhor filme) e ressaltando o compromisso velado do cinemão com a diversidade – mesmo que consagrar um filme rodado longe das asas de Hollywood ainda seja uma ousadia inédita da Academia.
1917, por sinal, traz todos os predicados de um filme que merece ser coberto de prêmios. É um drama de guerra não menos que espetacular, que alia uma produção tecnicamente perfeita com uma narrativa de emoção genuína, em que o drama humano jamais fica em segundo plano para a pirotecnia. A câmera de Mendes acompanha, no que parece ser uma única tomada de quase duas horas, dois soldados (interpretados por George MacKay e Dean-Charles Chapman) em uma missão em território ocupado. Eles precisam fazer chegar em um batalhão ordens para suspender um ataque programado para a manhã seguinte – a inteligência militar descobriu se tratar de uma armadilha, e a ação pode custar a vida de 1600 homens, inclusive a do irmão de um dos soldados.
A premissa simples foi executada com precisão cirúrgica que definitivamente precisa ser vista na maior tela com o melhor som. O trabalho do fotógrafo Roger Deakins é primoroso, com suas lentes acompanhando seus protagonistas sem cortes – a ilusão do plano sequência impressiona, mas o malabarismo técnico não surge como firula visual, e sim como parte integrante de uma narrativa sufocante que pretende simular a urgência e a tensão de estar no campo de batalha. O resultado é emocionalmente exaustivo e absolutamente espetacular.
As próximas semanas serão decisivas para determinar o peso de 1917 na cerimônia do Oscar. Indicações técnicas são uma certeza, mas o reconhecimento de George MacKay entre os atores, maior corpo votante da Academia, apontaria um caminho mais preciso rumo à consagração como melhor filme. O que seria curioso, já que este drama de Sam Mendes (que, vale lembrar, foi premiado em sua estreia na direção com Beleza Americana) é cinemão tradicional, que defende unicamente a bandeira do bom cinema – o que pode melindrar uma fatia considerável entre os votantes que enxerga, não sem razão, o Oscar como plataforma global para a inclusão.
É uma faca que corta para os dois lados, já que esse pensamento gerou ano passado uma vitória estranha para o opaco Green Book, um filme "seguro" e tradicional, ainda que disfarçado com um discurso (pobre) sobre tolerância racial. Nem em um ilhão de anos o filme de Peter Farrelly seria superior aos preteridos Infiltrado na Klan, A Favorita ou Roma.
Por falar em Roma, a Netflix ainda não conseguiu sentar à mesa dos adultos nas premiações de cinema. Na cerimônia do Globo de Ouro, a plataforma de streaming chegou com os dois pés na porta, representada por filmes de peso como O Irlandês, História de Um Casamento, Dois Papas e Meu Nome É Dolemite. Com 34 indicações, foi para casa com dois troféus – Laura Dern como atriz coadjuvante por História de Um Casamento e Olivia Colman como atriz em série dramática por The Crown.
Embora ainda seja cedo para declarar uma derrota, o fato é que o entusiasmo pelos filmes do estúdio (já dá para chamar de estúdio, certo?) ainda não atingiu a consagração artística que a Netflix parece tanto almejar depois de seu evidente sucesso comercial. Até algumas semanas atrás eu daria como certo o favoritismo de O Irlandês, especialmente em uma temporada que não gerou nenhum outro filme que aliou com tamanho burburinho com talento inequívoco.
Vale lembrar também que o drama com Adam Sandler, Joias Brutas, totalmente ignorado pelo Globo de Ouro, tem feito boa carreira no circuito independente americano e chega por aqui (e, acredito, também para o resto do mundo) via Netflix ao fim de janeiro. A votação para definir os indicados ao Oscar termina amanhã, com seu anúncio marcado para o dia 13. Com a vitória no Globo de Ouro de 1917 (e, vá lá, de Era Uma Vez em Hollywood), alguém arrisca um palpite?
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