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1917 é uma experiência de guerra que deve levar o Oscar de melhor filme

Roberto Sadovski

22/01/2020 16h35

1917 é um dos filmes mais impressionantes que o cinema entrega em muito tempo. Tecnicamente é nada menos que perfeito: um drama de guerra imersivo, capaz de transportar a plateia para o horror das trincheiras da Primeira Guerra Mundial ao ser narrado como um plano sequência, em que a ilusão de não ter cortes nos toma o fôlego e simula o horror sufocante da frente de batalha. Fosse apenas pelo primor técnico, o filme de Sam Mendes já seria imperdível, o tipo de filme que exige ser visto na maior tela com o melhor som. 1917, porém, ousa ir além. É também um tributo aos homens que combateram no primeiro conflito em escala global da história, um recorte pessoal para o diretor, que baseou o roteiro nas memórias de seu avô, veterano do conflito que promoveu devastação física e moral a seus combatentes. Não existe profundidade a seus personagens porque a guerra não abria espaço para tanto: em tempo real, havia a missão, a preocupação em se manter vivo e o testemunho da morte em uma terra estranha. É um filme muito bonito e muito triste. E é, hoje, o favorito para levar o prêmio máximo no Oscar.

Ou quase. 1917 chegou atrasado para o oba oba da festa da Academia. Exibido pela primeira vez em novembro, o filme de Sam Mendes pulou os festivais e o burburinho que dá um charme aos candidatos ao maior prêmio do cinema. Mesmo assim, levantou sobrancelhas ao ser escolhido como melhor drama pelos votantes do Globo de Ouro e, mais importante, reafirmou seu favoritismo com a vitória pela Associação dos Produtores, historicamente um carimbo para garfar Oscar principal. Seu maior concorrente hoje é o sul-coreano Parasita, que surpreendeu ao levar a honraria máxima pela Associação dos Atores, que lhe premiou como melhor elenco. Os atores são o maios corpo votante da Academia, e a admiração pelo trabalho de Bong Joon-Ho só aumenta suas chances. 1917, por sua vez, sequer teve indicações para seu elenco, e raramente o Oscar premia um longa em que os atores não foram lembrados – na história recente, Coração Valente, O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei e Quem Quer Ser um Milionário? saltam à memória. Mas será que a Academia está pronta para premiar um filme estrangeiro? E será que uma vitória para 1917 seria um prêmio de consolação?

Dean-Charles Chapman e George MacKay encontram a camaradagem na trincheira

As respostas são "talvez" e "de forma alguma". Ao contrário do vencedor do ano passado, o esquecível Green Book, 1917 é cinema com "C" maiúsculo, uma experiência em que a técnica está a serviço da narrativa. Em que o modo de contar a história é essencial para que ela se torne especial. E a grande injustiça do Oscar deste ano é, talvez, o não reconhecimento do trabalho de George MacKay e Dean-Charles Chapman. É com eles que passamos duas horas no inferno da guerra, e é seu talento que empresta substância ao estilo empregado por Sam Mendes. A trama é uma variação do "homens com uma missão" tão familiar a filmes de guerra, estrutura que amarra produções tão díspares como Os Doze Condenados, Apocalypse Now e O Resgate do Soldado Ryan. Os soldados Blake e Schofield são designados para atravessar território ocupado e alcançar um batalhão antes que ele se lance a um ataque na madrugada seguinte – a inteligência do exército britânico descobriu se tratar de uma armadilha, e caso a ação não seja cancelada, 1600 homens marcharão para a morte certa, incluindo o irmão de Blake. Essa pitada de risco pessoal é misturada ao dever de seguir ordens superiores, e a dupla deixa a trincheira rumo ao desconhecido.

O que se segue são duas horas absolutamente sufocantes, em que a realidade da guerra é desfraldada pela câmera nervosa de Mendes, comandada com habilidade pelo genial diretor de fotografia Roger Deakens. Mas o assombro técnico logo é engolido pelo desespero da jornada dos soldados, que encontram a brutal realidade da guerra ao longo do caminho. Seja pelos corpos empilhados no front, seja por civis encurralados entre fogo inimigo, seja pela camaradagem que surge com o medo da morte. Tudo é potencializado pela fúria da Primeira Guerra, conflito que varreu a "nobreza" da batalha pelo ralo, escancarando um cenário de destruição e perda da inocência. No brilhante documentário de Peter Jackson, Eles Não Envelhecerão, o diretor de O Senhor dos Anéis recupera, edita e coloriza milhares de horas de imagens filmadas no campo de batalha, mostrando como jovens britânicos partiram empolgados para o conflito para defender "o Rei e a Pátria" para compreender as verdadeiras consequências de uma guerra com mutilações e morte nas linhas inimigas. 1917 ressalta que, no calor do conflito, sempre feio, sangrento e sem sentido, não existe política ou heróis, só a certeza de que nada vale o desperdício de vidas humanas.

Sam Mendes orienta seus soldados em meio ao caos da guerra

A resposta veio nas bilheterias, em que 1917 tornou-se um sucesso surpresa, acumulando 150 milhõe de dólares em menos de um mês em cartaz. Sua vitória no Oscar seria a celebração de um tipo de cinema grandioso e popular, longe das escolhas estéreis (sério, não vou perdoar Green Book nem tão cedo) e sem amargar o paladar com uma derrota para Parasita (indiscutivelmente o melhor filme de 2019) para um filme menor. Ao contar uma história tão pessoal e intimista, Sam Mendes entregou um filme com talentos superlativos atrás e na frente das câmeras (as pontas de Colin Firth, Andrew Scott, Mark Strong e Benedict Cumberbatch fazem o público prestar mais atenção), ousado (lembre-se, ninguém está a salvo na guerra) e emocionalmente poderoso. Afinal, filmar um épico com tamanha beleza e perfeição enche os olhos, traduzindo o desespero da batalha como nenhum outro filme antes dele. Mas o que ressoa na alma, o que nos assombra bem depois de sair do cinema, são as pessoas que acompanhamos em sua jornada.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.