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Novo Bad Boys prova que em time vencedor não se mexe (muito)

Roberto Sadovski

31/01/2020 04h23

Will Smith já tem uma coleção de fios brancos no cavanhaque. Martin Lawrence mostra alguns (muitos) quilos a mais. Tirando isso, Bad Boys Para Sempre, terceiro exemplar da série que muita gente sequer lembrava existir, traz exatamente a mesma dinâmica, o mesmo roteiro raso, as mesmas cenas de ação exageradas e o mesmo caminhão de clichês de duplas policiais no cinema. Nem dá para dizer que é "igual, mas diferente", porque no fim é igual mesmo. Ainda assim, alguma coisa faz a mistura funcionar, e o filme termina como uma aventura despretenciosa e divertida. A dupla de diretores Adil & Bilall, que entram no vácuo deixado por Michael Bay, não tinham a menor intenção de reinventar a roda, e apostaram em todos os pontos fortes da série. Em especial o carisma absurdo de seus protagonistas.

Quem mais se beneficia com o novo filme é, sem dúvida Martin Lawrence. Se em 1995 seu nome liderava os créditos do filme original, ele viu sua estrela diminuir ao longo dos anos. Seu último sucesso foi o horrível Motoqueiros Selvagens, de 2007, em uma carreira que só respirava com um ou outro Vovó… Zona da vida. Ao contrário de Will Smith, que tem cartucho para queimar mesmo quando um Projeto Gemini não atrai a atenção desejada, Lawrence rumava a um limbo pontuado por filmes esquecíveis e séries que ninguém estava muito a fim de conferir. Bad Boys Para Sempre era uma promessa sempre adiada, em especial por total indiferença da liderança do estúdio, que não enxergava potencial para estender as aventuras dos dois policiais de Miami. Quando um novo chefão assumiu, bateram a poeira e apostaram em uma terceira parte, dezessete anos depois da última aventura.

Will SMith e o sangue novo em Bad Boys Para Sempre

O fato é que nostalgia, quando bem embalada, vende. Bad Boys não traz a bagagem de um As Panteras, que tornou-se propaganda para empoderamento feminino (e estacionou em uma bilheteria global de 70 milhões de dólares), ou de O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio (que rendeu decepcionantes 250 milhões em todo o mundo). Mas apostou na fórmula acelerada dos filmes de ação dos anos 90, com toda a incorreção política, todo o humor fora de ordem e toda a narrativa fantástica que causa conexão imediata para um público pouco exigente. É um filme bonito, bem produzido e com a única pretensão de entreter por um par de horas. Funcionou, somando 225 milhões nas bilheterias em apenas duas semanas em cartaz totalmente na base do charme de seus astros. Foi uma aposta inteligente da dupla de diretores, que faz o máximo para mimetizar o estilo explosivo de Michael Bay (que deu sua bênção e ainda surge como ator em uma ponta) e anabolizar o subtexto de "somos uma família" que, sejamos honestamente, fez tão bem a outra série, Velozes & Furiosos.

O fato é que Bad Boys Para Sempre é uma versão com menos músculos da "saga" encabeçada por Vin Diesel, com uma dose cavalar de carisma ao estilo Máquina Mortífera, de quem pesca inclusive o bordão "estou velho demais para isso". A colcha de retalhos ainda bebe de Os Mercenários 3, com os detetives Mike Lowrey e Marcus Burnett se vendo obrigados a dividir o palco com uma nova geração de policiais versados tanto na arte de ser casca grossa quanto na modernidade de conduzir investigações usando o máximo da tecnologia. É uma combinação que vem a calhar quando figuras proeminentes do combate ao crime em Miami são sistematicamente assassinadas por um atirador tão preciso quanto cruel. Quando ele foca sua mira em Mike, deixando-o à beira da morte, o que parecia uma trama de vingança mostra ramificações que remetem ao passado do personagem de Will Smith, antes mesmo de iniciar sua parceria com Burnett. Esse fiapo de trama traz consigo um caminhão de obviedades d gênero, que incluem interrogações estilo policial bonzinho/policial malvado, agentes da lei agindo fora das regras, sentimentalismo armado com frases feitas e um elenco de coadjuvantes que elevam a coisa toda – eu não lembrava o quanto era bom ver Joe Pantoliano em cena, e o armário Alexander Ludwig mostra um humor que Vikings não deixava transparecer.

Adil e Bilall, novos diretores para uma nora era de tiros e explosões

Mas Bad Boys Para Sempre é mesmo um show para Will Smith e Martin Lawrence mostrarem o quanto funcionam bem juntos em cena. Com uma amizade amparada em um senso de lealdade e em bom humor, os dois fazem com que Mike e Marcus sejam personagens completos, e não apenas caricaturas para emoldurar mais uma perseguição ou outra explosão. É um motor de puro carisma que os conduz, cada um trabalhando seus pontos fortes (a aura de rockstar de Smith, o jeito de tiozão do pavê de Lawrence) em um filme que aposta no absurdo e na fantasia. Velozes & Furiosos chega ao nono filme como fenômeno global usando ferramentas parecidas (subtraindo, infelizmente, o senso de humor), e Máquina Mortífera anuncia um possível quinto episódio movido unicamente pela força da nostalgia. Ao contrário de Bad Boys Para Sempre, que colocou Michael Bay na arquibancada, eles não pretendem mover uma palha no time vencedor: em vez de apostar em algum time de diretores modernos, a ideia é tirar o nonagenário Richard Donner de uma merecida aposentadoria. Aparentemente ele não está muito velho para tudo isso.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.