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Robert Pattinson vem aí: Por que precisamos de mais um filme do Batman

Roberto Sadovski

17/02/2020 15h25

Em Aves de Rapina, a anti-heroina Arlequina cita o bilionário Bruce Wayne algumas vezes, e menciona o Batman outras tantas. Vai ficar no gogó: no universo do filme com Margot Robbie, o Homem-Morcego era a "versão Ben Affleck", que pendurou as chuteiras depois dos equivocados Batman vs. Superman e Liga da Justiça. Não existe mais. Improvável, portanto, que o Cavaleiro das Trevas dê as caras também na continuação The Suicide Squad, que o diretor James Gunn está preparando para ano que vem.

No recorte apresentado em Coringa, a existência de um Batman também parece pouco provável – ah não ser que o herói finalmente enfrente seu nêmesis quando este for um septuagerário. O fracasso de um universo compartilhado DC, entretanto, abriu espaço para outra releitura do personagem, agora sob a tutela do diretor Matt Reeves: The Batman traz Robert Pattinson como protagonista, que teve seu visual revelado em um teste de câmera disponibilizado pelo cineasta. "Peraí", diz o leitor. "Será que não é muito cedo para mais um filme do Batman?" Então. Não é. Segue o fio.

Criado em 1939, o Batman completou oito décadas de existência justamente por sua capacidade de ser reinventado. Nesse tempo, o herói imaginado por Bob Kane e Bill Finger atravessou guerras, revoluções culturais, encarou sua obsolescência e renasceu inúmeras vezes. Tirando o verniz imposto a cada geração de artistas que escrevem suas aventuras, o conceito básico continua o mesmo: depois de ver seus pais assassinados por um criminoso comum, um órfão jura dedicar sua vida a combater o crime, impedindo que o que aconteceu a ele se repita com outras pessoas.

A partir daí, a mitologia do Batman teve centenas de interpretações, algumas rasas, outras mais densas. E não existe uma visão "errada": o herói em um contexto de ficção científica nos quadrinhos dos anos 50 é tão correto quanto o bufão da série de TV dos anos 60 ou o super-herói atormentado na animação dos anos 90 ou o vingador sombrio e realista do cinema do novo século. Um personagem com uma história tão rica, protagonista de histórias tão diversas, é prato cheio para ser reinterpretado pelo artista certo.

Christian Bale é o ideal de Batman para o fã moderno

Robert Pattinson nao parece em nada com o Batman que acostumamos a ver no cinema – ao mesmo tempo que é imediatamente reconhecível como o herói. Não é a primeira vez que os fãs coçam a cabeça. A ideia de um Batman envelhecido combatendo o crime parecia absurda até Frank Miller escrever O Cavaleiro das Trevas nos anos 80. Colocar um ator conhecido por comédias soava heresia na virada para os anos 90, mas Michael Keaton mostrou-se um dos intérpretes mais sólidos do herói nas mãos de Tim Burton. Batman em um relacionamento sério com a Mulher-Gato? Soa como bobagem, mas o roteirista Tom King transformou essa premissa em uma das narrativas mais interessantes para o Homem-Morcego nos quadrinhos modernos. A reinvenção mantém o herói atual, sempre em sintonia com o zeitgeist, sem nunca perder seus componentes básicos quando encontra-se nas mãos de artistas de talento.

É óbvio que ainda é muito cedo para cravar qualquer veredito sobre The Batman. Os detalhes da trama devem ser o segredo mais bem guardado entre as paredes da Warner. O que sabemos é que Matt Reeves escalou um elenco curioso. Colin Farrell seria provavelmente o último ator que poderiamos imaginar na pele de Oswald Cobblepot, o Pinguim. Paul Dano é uma opção genial como o Charada. Zoë Kravitz tem potencial para ser a Mulher-Gato mais icônica desde Michelle Pfeiffer. Reeves ainda colocou Jeffrey Wright, Peter Sarsgaard, Andy Serkis e John Turturro nessa mistura encabeçada por Robert Pattinson.

Ele aponta um caminho diferente do que vimos nas mãos de Michael Keaton, de Val Kilmer e George Clooney (que fizeram versões mais cômicas do herói), de Christian Bale (talvez a régua pela qual os Batmen do cinema serão medidos no futuro próximo) e Ben Affleck (o ator certo nos filmes errados). É curioso observar como os fãs dissecaram os poucos segundos de Pattinson como Batman com fervor quase religioso, apontando inspirações malucas para o traje (mezzo o game Arkham Knight, mezzo o gibi Gotham by Gaslight), com sua máscara de costura aparente e o símbolo do morcego supostamente forjado com a arma que matou seus pais (reflexo de uma história recente, de Kevin Smith, publicada em Detective Comics #1000).

Ben Affleck acertou no visual mas desapareceu em dois filmes ruins

Acima de tudo, The Batman representa uma reviravolta nos planos da DC no cinema. Os executivos fizeram as pazes com o fracasso de seu universo expandido e não o abandonaram – Aves de Rapina e The Suicide Squad habitam o mesmo mundo de Batman vs Superman ou Shazam!, mesmo que os filmes não tragam mais a necessidade canina de compartilhar a mesma narrativa. Coringa mostrou que os personagens da editora podem ser representados em aventura-solo que se mostram extremamente populares. Pode parecer pouco tempo, pode ser estranho um novo Homem-Morcego chegar ao cinema com a imagem de seu antecessor ainda tão presente. Mas o intervalo mínimo entre as novas versões (quatro anos entre Liga da Justiça e The Batman, agendado para o ano que vem) somente reflete a velocidade supersônica em consumir cultura pop da geração do novo milênio, em que novidades raramente se sustentam por mais de uma temporada.

Até porque entregar uma outra versão do Cavaleiro das Trevas não é nada que os quadrinhos não façam constantemente há oito décadas. Tampouco é uma prática que não tenha sido experimentada constantemente por diferentes personagens em diferentes plataformas nas mãos de diferentes criadores. A arte é um reflexo do real, e o Batman é um dos raros casos de propriedade intectual que consegue encontrar seu chão mesmo em versões radicalmente diferentes. Talvez por isso, consegue ditar os rumos da cultura pop em seu rastro. Talvez por isso, o mundo do entretenimento preste tanta atenção. Nem precisava de tanto: é o Batman!

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.