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Nem Johnny Depp salva o interminável O Cavaleiro Solitário

Roberto Sadovski

12/07/2013 09h18

O Cavaleiro Solitário resume tudo que existe de errado com os blockbusters do cinemão atual. É longo demais para uma trama que podia perder fácil uns 40 minutos. Adapta um personagem do passado que, francamente, não deve ter uma legião de fãs clamando por sua volta. Explica demais o que deve ser deixado em mistério. Não se decide nunca pelo tom, sendo bobo demais para adultos e violento demais para crianças. Ah, e eu falei que é longo demais?

Não que o filme de Gore Verbinski seja um completo desastre. O diretor dos três primeiros Piratas do Caribe e do delicioso Rango é talentoso demais para criar lixo. E há momentos em que O Cavaleiro Solitário brilha! Como no clímax, uma cena de ação envolvendo dois trens, os dois protagonistas e todos os vilões, embalados pela trilha de Hans Zimmer, aqui trabalhando em cima do "Tema de Guilherme Tell", escrito pelo italiano Gioachino Rossini e abusada pelo cinema e pela TV há décadas. É quando a aventura no Velho Oeste finalmente parece decolar. Pena que, até aí, já foram mais de duas horas de blablablá.

Como qualquer filme que se propõe a iniciar uma franquia (palavra de ouro para os estúdios), O Cavaleiro Solitário debruça-se sobre a origem do personagem. Mas não existe um só protagonista aqui, e sim dois. O que empresta nome ao filme é interpretado por Armie Hammer, e é um dos heróis mais puros que surgiram no cinema nos últimos anos. Mesmo com as tragédias que sobre ele se abatem, o advogado John Reid  acredita na justiça, sequer gosta de usar uma arma e chega a ser ingênuo em sua jornada. Não atrapalha o fato de Hammer (que interpretou os gêmeos Winklevoss em A Rede Social e foi o Batman por seis meses durante a pré-produção de Liga da Justiça, de George Miller, abortado há alguns anos) ser um ator charmoso e com grande presença cênica.

Mas Johnny Depp é o nome principal no cartaz do filme. E, mesmo no papel de Tonto, companheiro do Cavaleiro Solitário, seria impossível que um dos maiores astros do cinema atual fosse se contentar em ser coadjuvante. Assim, a trama é vista sob seu ponto de vista – Tonto, já bem velho e nos anos 30, é o narrador da aventura -, e os roteiristas fazem um esforço tremendo para entrelaçar sua história com a trama principal do filme. Mas o resultado é desastroso e deixa a narrativa ainda mais enrolada. Afinal, O Cavaleiro Solitário termina sendo um filme para contar duas origens! Pior ainda é Depp tentando achar a melhor representação do personagem, mas sem nunca conseguir se livrar dos tiques do capitão Jack Sparrow. Termina sendo desrespeitoso com os nativos americanos a quem ele queria homenagear (Tonto passa o filme tentando alimentar o pássaro morto que traz na cabeça) ao fazer do personagem um inadequado alívio cômico.

Bom, mas existe uma trama em O Cavaleiro Solitário, e ela envolve o avanço das estradas de ferro pelo Oeste americano e a tentativa de homens gananciosos em controlá-la – um deles, o vilão interpretado com voracidade pelo ótimo William Fichter, é tão malvado que come o coração de suas vítimas. Não é exatamente um filme anti progresso, e sim sobre como o progresso, sem responsabilidade, apaga e violenta nosso passado. John Reid, formado advogado na cidade grande, volta para o lugar onde nasceu e reencontra seu irmão Dan, agora xerife (James Badge Dale, que ao lado de Homem de Ferro 3 tirou o ano para fazer blockbusters), e o amor de sua vida, Rebecca (Ruth Wilson), agora sua cunhada… Uma emboscada toma a vida de Dan e seus comandados, deixando John à beira da morte. Ele é encontrado por Tonto e escolhido pelo cavalo branco que representa o "espírito do Oeste" para levar justiça aos necessitados – mesmo que para isso ele precise de uma máscara.

O Cavaleiro Solitário surgiu em 1933 num programa de rádio, mas viu sua popularidade estourar quando, entre 1949 e 1957, ganhou a interpretação de Clayton Moore numa série de TV. De lá para cá, o herói (que no Brasil bizarramente foi chamado Zorro) ganhou aventuras em livros e histórias em quadrinhos, além de um filme horroroso em 1981. Assim como o Besouro Verde (personagem que, por sinal, é seu tataraneto), o Cavaleiro Solitário tem em Hollywood fãs ardorosos – como o produtor Jerry Bruckheimer, que lutou de todas as formas para fazer este filme, vendo o projeto morrer, ressuscitar e mudar o foco meia dúzia de vezes. Uma das versões anteriores do roteiro trazia lobisomens e um tom sobrenatural.

Entre idas e vindas, o preço da brincadeira encostou nos 200 milhões de dólares – uma "aposta certa" da equipe de Piratas do Caribe, certo? Bom, errado. A aventura indecisa naufragou nas bilheterias e deixou um prejuízo milionário nos cofres da Disney – mas o estúdio, que também levou uma sova com John Carter ano passado, deve absorver o baque sem dificuldades, já que também tem em sua aba Pixar, Marvel e Star Wars. Mas números em nada interferem na qualidade de um filme, pautar-se por eles é bobagem. Se O Cavaleiro Solitário é uma experiência insatisfatória, a única culpa é do ego de seus realizadores, cegos por sua paixão e pelo dinheiro deixado à sua disposição. Como tentativa de se tornar uma nova série, ficou só na intenção.

E eu já disse que é muito, mas muito longo?

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.