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12 Anos de Escravidão é um filme burocrático sobre um tema espinhoso

Roberto Sadovski

21/02/2014 02h56

12 Anos de Escravidão é um filme importante. Espera, isso não está certo… 12 Anos de Escravidão é um filme razoável sobre um tema importante. Agora sim! O diretor Steve McQueen (do ótimo Hunger, do não tão ótimo Shame) usa a autobiografia de Solomon Northup como matéria prima para contar a história do homem negro, nascido livre na Nova York do século 19, que é enganado e vendido como escravo para o Sul, para as plantações de algodão, para a senzala. O livro é uma epopeia chocante sobre a escravidão, sobre a apatia dos que eram contra ver pessoas como mercadoria, sobre a crueldade de quem se via com o poder quase divino sobre vida e morte, sobre a vida com grilhões. Merecia um filme a altura. 12 Anos de Escravidão é belíssimo, tem um ótimo elenco (em especial Michael Fassbender, a gente chega nele) e toca todas as notas certas. Mas não tem fúria, não tem alma: é burocrático, é didático, é quase uma palestra sobre escravidão. E nada é mais chato ou mais equivocado do que um cineasta querendo nos pegar pela mãozinha para dar uma lição de história. Steve McQueen achou tudo tão importante que esqueceu do principal: dirigir seu filme.

Afinal, como encarar de outra forma quando ele transforma tanta gente fascinante em personagens unidimensionais? Paul Giamatti, numa ponta como um vendedor de escravos, surge como o mal encarnado. É o oposto de Benedict Cumberbatch, no papel do "senhor bonzinho" que tem dó dos escravos mas nada faz. Paul Dano, que agarra todo e qualquer papel de canalha desmiolado que surge no caminho, é o capataz malvadão. Brad Pitt (produtor do filme) dá as caras como salvador da pátria. Fassbender é o único que ouve as instruções de McQueen, filtra o excesso e faz de seu Edwin Epps uma pessoa de verdade. Talvez por ter trabalhado com o diretor em seus dois filmes anteriores, o ator, um colosso de talento, soube transformar em prática a teoria de McQueen. Epps acha que ter escravos é seu direito divino. O fanatismo religioso se confunde com uma certa psicopatia, o que é desastroso somado ao desejo que ele nutre pela escrava Patsey (Lupita Nyong'o, um achado). Ele é apaixonado por ela, ele a odeia por ser apaixonado por ela, ele a castiga impiedosamente por não saber lidar com os próprios sentimentos. Na cena-assinatura de 12 Anos de Escravidão, a única em que de fato sentimos algum pulso, Epps destroça as costas nuas de Patsey com chicotadas profundas, enquanto os outros escravos (à exceção de Solomon) tocam a vida como se fosse um dia qualquer. E era.

Steve McQueen dirige Michael Fassbender em 12 Anos de Escravidão

Até aí, Solomon já tem muitos problemas nos ombros. Ao ser vendido e rebatizado como Platt, ele sabe que não pode revelar ser um homem culto, que sabe ler e escrever, já que significaria morte certa. Aos poucos ele aprende a ser submisso, ganhando tempo para, de alguma forma, avisar a seus amigos do Norte sobre sua condição. É essa esperança que o mantém vivo. Chiwetel Ejiofor sabe o peso do papel em suas mãos e faz um trabalho poderoso. Seu esforço, porém, esbarra na direção de McQueen: meticuloso com a recriação da época e preocupado em mostrar a realidade da escravidão de forma correta, ele termina usando homens e mulheres em grilhões como mero objeto de cena. O que lhe sobra em técnica, falta em emoção. Até Django Livre, conduzido por Quentin Tarantino num tom farsesco, entregou um personagem mais complexo para a época: Stephen (Samuel L. Jackson), o negro servil a seu patrão branco, que pune outros negros e não vê a si mesmo como escravo, mas como figura paterna. Não existe aqui ninguém que chegue perto do que Jackson e Tarantino fizeram.

12 Anos de Escravidão fica no meio do caminho. É ousado na medida para receber elogios e predicados, ao mesmo tempo que é careta o suficiente para ser coroado em premiações de cinema; tem a coragem de abordar um tema complexo que há muito merece o registro, mas é conduzido como trabalho de sociologia. Seu maior pecado? Em nenhum momento sentimos os doze anos de aprisionamento de Solomon Northup. A passagem de tempo, impressa no nome do filme, no título do livro e em nosso subconsciente quando as luzes de apagam, fica nublada. Ser vendido como "o melhor filme sobre escravidão da história", na prática, não quer dizer nada. Raízes já mostrou isso na TV – isso nos anos 70. Até Escrava Isaura trouxe uma visão nossa do tema com propriedade. Nas mãos de um diretor mais calejado, 12 Anos de Escravidão seria um filme grandioso. Com Steve McQueen, temos um exercício de resgate histórico que, em seis meses, terá ficado para trás. Com ou sem Oscar.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.