Vidas ao Vento e os melhores filmes do mestre Hayao Miyazaki
Roberto Sadovski
27/02/2014 05h28
Hayao Miyazaki sempre me faz chorar. Pronto, confissão feita. Existe algo muito puro e muito direto em seus filmes que aperta todos os botões certos. São melancólicos, emocionantes, não existe um segundo de gordura. As fantasias de Miyazaki começam e terminam no tempo certo. Ao contrário dos filmes do lado de cá do mundo, ele não segue um padrão, não vai pelos mesmos beats que acostumamos a ver. Existe um outro tempo, um outro ritmo no modo como os japoneses criam cinema – animação em particular – que quebra as "regras" com as quais nosso cérebro aprendeu a lidar. E não há absolutamente nada de errado com um ou outro jeito de filmar. São só escolas diferentes, emoções diferentes. Com os filmes de Miyazaki em particular, a hora em que o nó chega na garganta e o soco atinge o estômago passam longe de qualquer marcação.
E não é diferente com Vidas ao Vento. O filme, lançado ano passado, encerra uma carreira brilhante, marcada por sucessos, inovação e polêmica. Se for mesmo um adeus de um gênio, ele não poderia ter escolhido projeto melhor: um filme biográfico (o que ele nunca fez antes), entrecortado pela matéria prima dos sonhos (o que ele já fez antes) e como eles podem levar a decisões horríveis (definitivamente escolhas erradas fazem parte de sua biografia). Eu conheci o cinema de Miyazaki nos bons e velhos tempos do VHS – não por alguma nostalgia equivocada (nada se compara com filmes com imagem e som perfeitos, como é o caso hoje), mas pelo senso de descoberta ao fuçar no arquivo das videolocadoras. Crianças, o streaming pode até simular a sensação de descobrir algo incrível, mas nada como ter os dedos empoeirados com pilhas e pilhas de fitas de vídeo.
Então, duas dicas. Primeiro, se você nunca assistiu a um filme de Hayao Miyazaki, não perca seu tempo e vá atrás! Segundo, se Vidas as Vento estrear em sua cidade, veja o filme no cinema! Áudio original em japonês, legendas em português, magia na tela. Eu separei meus cinco filmes favorito de Miyazaki, mas é extremamente pessoal: descubra os seus, faça sua lista. Descobrir o legado de um gênio vai te deixar com um sorrisão!
5. Nausicaä do Vale do Vento (1984)
Miyazaki adaptou o mangá que ele escreveu e desenhou (publicado entre 1982 e 1994) em uma saga complexa que nos leva ao futuro da Terra. Depois de uma guerra que arruinou nosso ecossistema, a humanidade reverteu a uma organização social tribal em guerra com a tecnologia remanescente. Nausicaä, princesa do Vale do Vento, tenta entender essa nova ordem e entra em conflito com Tolmekia, um reino que pretende destruir uma floresta de insetos mutantes gigantes – que ela deseja compreender, não obliterar. A animação é brilhante, o texto é denso. Miyazaki condensou as dezesseis primeiras edições do mangá em uma pequena obra prima. Mas vale procurar as edições em papel publicadas no Brasil.
4. Vidas ao Vento (2013)
Afastando-se dos mundos fantásticos que permeiam sua obra, o diretor debruçou-se sobre uma biografia levemente romantizada de Jiro Horikoshi, designer que, nos anos 40, criou o Zero, caça usado pelo Império Japonês durante a Segunda Guerra Mundial. De cara ele joga a pergunta: um homem que realiza seus sonhos é responsável pelas atrocidades que outros fazem com sua criação? Por não condenar Jiro, Miyazaki foi alvo de críticas em sua terra natal – de todos os lados do espectro político e social. Mas este não é o ponto: o que ele faz em Vidas ao Vento é observar a obstinação de um homem em concretizar uma visão. Jiro surge como um personagem demasiado humano (todos fumam, o que é impensável em uma animação ocidental), embora ele não perceba o caminho que sua criação pode tomar. É o sonho tornado pesadelo, o trabalho de uma vida maculado pelo horror da guerra, materializado em um filme de beleza ímpar, sutileza e elegância.
3. Meu Amigo Totoro (1988)
O primeiro filme que vi de Miyazaki ainda tem um lugar especial. Duas meninas mudam-se com seu pai para uma casa perto do hospital onde sua mãe se recupera de uma doença. Elas logo descobrem a presença dos espíritos da floresta (este é um Japão predominantemente rural pós- Segunda Guerra) e se tornam amiga de Totoro, uma criatura pré-Pokemon, com orelhas de coelho e do tamanho de um urso. O filme é de uma delicadeza ímpar, com Miyazaki buscando no folclore de seu país combustível para alimentar uma fantasia infantil que nunca é simplória. Valores como amizade, companheirismo, fraternidade e fé – neste mundo e no outro, que nossos olhos não alcançam – permeiam Meu Amigo Totoro: um filme obrigatório para qualquer pessoa que um dia se permitiu sonhar.
2. Princesa Mononoke (1997)
Miyazaki abraça a fantasia, mas injeta doses cavalares de adrenalina em uma história da época em que homens, monstros e deuses dividiam a Terra. Marcado pela maldição do deus javali que buscava destruir sua terra, o jovem Ashitaka parte em uma jornada para encontrar uma cura. Ele termina, porém, no centro do conflito entre mineradores de ferro e deuses-animais – a eterna luta entre os bastiões do progresso e os que lutam pela preservação dos bens naturais. É do lado dos deuses que se encontra San, a princesa mononoke adotada pelos deuses-lobo, que desperta para sua humanidade adormecida ao conhecer Ashitaka. Miyazaki não entrega a trama de forma linear, resultando na descoberta de camadas que deixam Princesa Mononoke mais rico e mais denso ao caminhar para um desfecho tão inesperado quanto espetacular.
1. A Viagem de Chihiro (2001)
Uma obra-prima irretocável, A Viagem de Chihiro é uma declaração de amor à inocência de uma criança, à riquíssima herança cultural do Japão e aos mundos fantásticos que, quando adultos, tendemos a deixar de lado. A heroína é a própria Chihiro, que aos 10 anos de idade se muda para uma nova cidade com seus pais. Um desvio coloca a família em um reino mágino, que existe no limiar do sonho e realidade. Com seus pais magicamente transformados em porcos (uma metáfora nada sutil e muito eficiente), cabe à Chihiro assumir a responsabilidade em salvar não só a si mesma e a sua família, mas também este novo e frágil mundo. De imaginação e criatividade sem limites, o diretor apresenta tantos personagens incríveis, de bruxas a espectros a um dragão voador de partir o coração, que parece que o filme vai romper as barreiras físicas e explodir em nosso mundo com cores e sensações. A obra-prima de Hayao Miyazaki? Sim, e também um dos melhores filmes da história.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.