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Filmado por doze anos, Boyhood é uma experiência fascinante e poderosa

Roberto Sadovski

30/10/2014 04h28

Assistir à Boyhood, o novo e sensacional filme do diretor Richard Linklater, é como olhar as filmagens caseiras guardadas por anos em uma caixa empoeirada. São fragmentos, memórias de toda uma vida, encapsuladas em momentos delicados, urgentes, devastadores – como a própria vida. Transformar uma ideia assim em uma narrativa cinematográfica envolvente e emocionante já atesta a genialidade de Linklater; concentrar os momentos em seu protagonista, Mason, e acompanhar seu crescimento dos 6 aos 18 anos de idade, exige fôlego, confiança, talento e uma sensibilidade que encontra poucos paralelos no cinema. O motivo é um só: Mason é interpretado por Ellar Coltrane, e as câmeras de Linklater o acompanharam por doze anos para traçar um arco completo – ainda que ele termine com um novo ponto de partida.

Ver Ellar crescer em cena é uma experiência única. Linklater não fez um processo de casting longo e, ao decidir pelo garoto, ele também o deixou livre de contratos e amarras legais: entre maio de 2002 e agosto de 2013, o diretor reunia seu elenco (além do protagonista, Ethan Hawke e Patricia Arquette surgem como seus pais, e Lorelei Linklater, filha do diretor, foi escalada como sua irmã) e filmava por alguns dias. Caso Ellar não quisesse continuar no projeto, Boyhood seria engavetado, o que não aconteceu. Linklater acompanhou a infância e adolescência de seu jovem ator e incorporou alguns de seus interesses, como fotografia, ao personagem. Tecnicamente o filme é um arraso – da fotografia uniforme de Lee Daniel e Shane Kelly à montagem dinâmica de Sandra Adair. Ao fim da jornada de mais de uma década, horas e horas de material foram condensadas em pouco menos de três horas – como a vida que vemos desabrochar na tela do cinema, o tempo não passa de um suspiro.

Ellar Coltrane e o diretor Richard Linklater

A empreitada seria em vão, claro, se Ellan Coltrane não fosse um ator tão envolvente e talentoso. Quando ele é apresentado, aos seis anos, seus pais (Hawke e Arquette) são divorciados, e nos anos seguintes acompanhamos suas mudanças contantes de cidade quando sua mãe se envolve com diferentes parceiros – alguns violentos, outros, perdidos. Linklater não foge do ponto de vista de Mason, então os dramas que se desenrolam muitas vezes ficam sem solução, exatamente como seria na vida de um garoto que constantemente é obrigado a mudar sua rotina. A química de Ellar com Patricia Arquette e Ethan Hawke é quase palpável – e é de dar um nó nas ideias imaginar os atores acompanhando, ano após ano, o crescimento do garoto. Como cada pedaço da trama é uma cápsula do tempo única, é curioso observar como alguns fatos ganham nova luz em 2014. Em uma viagem à montanhas em 2008 para fortalecer os laços entre pai e filho, por exemplo, Mason e seu pai discutem a total impossibilidade de Star Wars ganhar um novo filme – mesmo ano em que Mason Sr. coloca os filhos em uma campanha de guerrilha para o candidato a presidente Barack Obama.

Lidar com a passagem do tempo não é novidade para Richard Linklater. Este é, afinal, o diretor que, ao lado do próprio Ethan Hawke e de Julie Delpy, retratou o relacionamento de um casal desde que, jovens, se encontram numa viagem à Europa, separam-se, encontram-se uma década depois, casam-se, tem filhos e atravessam crises. Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013) também conta uma história linear e, mesmo seguindo uma narrativa mais tradicional, é uma experiência igualmente ousada – não é difícil que o trio encontre uma nova trama para filmar em alguns anos. O mesmo vale para Boyhood. Mesmo depois de 165 minutos de filme, a jornada de Mason é tão fascinante que a vontade é saber o que acontece em sua vida depois que sobem os créditos. É uma jornada inusitada e mundana, delicada e poderosa. Como no álbum de família guardado no fundo do baú, porém, em algum momento as páginas com fotografias chegam ao fim, os filmes caseiros terminam. Do lado de cá, a vida segue.

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Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.