Com mais eficiência e menos emoção, Peter Jackson encerra a saga O Hobbit
Roberto Sadovski
15/12/2014 06h41
O Hobbit não é O Senhor dos Anéis. Assim é possível resumir a tarefa hercúlea que Peter Jackson teve ao se propor em voltar à Terra-Média e adaptar o segundo livro mais popular de J.R.R. Tolkien. Ele esticou uma história infantil em três filmes. Foi esperto, já que pincelou material de documentos do autor britânico que possibilitaram ir além de um único livro. Criou personagens para salientar certos pontos da trama. Como é um prequel, trouxe elementos populares da trilogia seguinte para a) dar ao público um terreno familiar e b) fisgar um naco da enorme popularidade dos filmes que reintroduziram a fantasia ao cinema no começo do século 21. Foi um esforço louvável. Por vezes emocionante, tenso, dinâmico e épico. Mas O Hobbit não é O Senhor dos Anéis.
De forma alguma isso diminui o impacto de A Batalha dos Cinco Exércitos, aventura que conclui de maneira bacana a saga iniciada em Uma Jornada Inesperada e continuada em A Desolação de Smaug. Como arquiteto de toda a jornada, Jackson tece um filme impecável, que perde as barrigas dos outros Hobbit e se mostra uma aventura ainda mais dinâmica. O diretor, ao que parece, finalmente pisou no acelerador para amarrar a história com a trilogia O Senhor dos Anéis, e deixa a gordura de lado: com duas horas e vinte e quatro minutos de duração, é o mais curto de todos os filmes no caldeirão de hobbits, magos, dragões, elfos, anões e anéis entregue pelo diretor. É um feito e tanto para um épico que não só precisa amarrar tantas pontas soltas como também se propõe a dar liga a quem, inevitavelmente, sentará em um futuro próximo em uma maratona pela Terra-Média no conforto do lar.
Uma das baixas na trama é o foco em seu protagonista, Bilbo Baggins (Martin Freeman), que teve sua real importância praticamente esgotada nos dois primeiros filmes e agora senta no trono de coadjuvante de luxo, abrindo terreno para quem realmente completa seu arco na aventura. O primeiro é Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage), herdeiro do trono dos anões usurpado pela ameaça do dragão Smaug. Banido de suas terras e cortado de sua herança, é ele quem tem de lidar com o peso da coroa depositada em sua cabeça (o destino de Smaug, Jackson espertamente resolve na seqüência pré-créditos, por assim dizer) e com a maldição do ouro, que exerce influência nefasta em quem se vê no comando de tamanha riqueza. Já o segundo é Bard, o arqueiro (Luke Evans), que se coloca como líder inesperado dos humanos na Cidade do Lago, que primeiro é atacada pelo fogo do dragão, depois torna-se ponto de partida da batalha que batiza o filme.
O conflito que está no coracão de A Batalha dos Cinco Exércitos tem relação com o mal representado pelo senhor das trevas, Sauron, e sua influência maligna que começa a impregnar a Terra-Média. Com o Um Anel perdido (na verdade em posse de Bilbo desde Uma Jornada Inesperada), ele exerce sua influência na criaturas sombrias que pretendem dominar todo o mundo. Sem Smaug dominando seus corredores, o reino subterrâneo dos anões cavado na Montanha Solitária torna-se objeto de cobiça por sua localização estratégica e é disputado por humanos em busca de abrigo, anões em defesa de sua herança, elfos querendo sua recompensa, orcs focados na aniquilação dos povos livres e Galdalf (Ian McKellen), que representa o poder místico e enxerga no conflito uma retomada do poder por Sauron.
Jackson, trabalhando com um roteiro escrito por ele, Fran Walsh, Philippa Boyens e Guillermo Del Toro, é eficiente em resolver todos os conflitos e colocar personagens que não fazem parte do livro – como os elfos Legolas (Orlando Bloom) e Tauriel (Evangeline Lilly) – organicamente na trama. Até o romance entre Tauriel e o anão Kili (Aidan Turner) não parece forçado, bem como as referências a O Senhor dos Anéis que pipocam no terceiro ato. Em vez de privilegiar o combate digital, visto e revisto tantas vezes ao longo da saga (e em sua dúzia de imitadores), o diretor acerta ao se concentrar em conflitos individuais, resolvendo os maiores embates do filme em duelos menores, longe do fulgor das milhares de criaturas em CGI. A Batalha dos Cinco Exércitos é, de ponta a ponta, uma máquina de eficiência, com o diretor mostrando que domina o equilíbrio de técnica e narrativa como poucos, organizando a verdadeira operação de guerra que é fazer um filme assim com total precisão. Esse rigor, porém, sacrifica o impacto emocional deste derradeiro Hobbit.
A comparação com O Retorno do Rei é inevitável: não importa o ângulo, fica claro que esta é uma saga inferior, de personagens menos interessantes, conflitos de menor impacto e um vilão de menor peso. Afinal, Sauron é o senhor das trevas, a epítome de todo o mal; já Azog (Manu Bennett) é um duende vitaminado, um orc com delírios de grandeza e zero dimensão dramática. Embora o final seja enxuto (Jackson não cai duas vezes na armadilha de meia dúzia de epílogos), falta a O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos o punch emocional com personagens de fato alterados por sua jornada. Claro, é cinema épico em sua melhor forma, um mundo de sonhos no qual vale a pena mergulhar por um par de horas. Ao final da sessão, porém, fica a sensação que, da primeira vez, foi muito melhor.
Sobre o autor
Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".
Sobre o blog
Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.